(Primeiro parágrafo:) “Oh! Como vive encarcerado todo o ser finito! O homem também nasce num cárcere. Alma, corpo, ideias, aspirações, esforços; tudo nele tem fronteiras; é tudo, já de si, uma fronteira palpável, tudo um isto, um aquilo, separado, apartado do resto. Pelas grades dos sentidos cada qual olha para fora de si mesmo, para o que lhe é estranho, para aquilo de que nunca fará parte; e, embora o seu espírito percorra voando – como as aves – os espaços do mundo, nunca ele será esse espaço; o seu rasto desaparece, não deixa vestígios duradoiros. Que distância não vai dum ser a outro! E, ainda mesmo quando se amam, quando de ilha para ilha, procuram entender-se e iludir o seu isolamento como uma unidade aparente, logo os surpreende – quão mais dolorsa! – a desilusão, ao esbarrarem, como pássaros engaiolados, contra os varões invisíveis duma gélida e transparente muralha. Não conseguem evadir-se. Nenhum deles sabe quem o outro é. Às apalpadelas, por conjecturas, abeira-se o homem da mulher, a criança do adulto, pouco menos misteriosos, uns para osoutros, do que o são, para os homens, os animais”.
O coração do mundo | Título original: Das herz der welt | Hans Urs von Balthasar | Porto, 1959, 284 páginas
“O coração do mundo” é uma longa e apaixonada meditação sobre o amor de Deus concretizado na doação de Cristo na cruz, que é o verdadeiro coração do mundo. Hans Urs von Balthasar (12 de Agosto de 1905 – 26 de Junho de 1988), doutorado em Literatura, foi o grande ausente do II Concílio do Vaticano. Fundou com Ratzinger e Henri de Lubac a “Communio”, Revista Internacional Católica (foi dele a ideia). João Paulo II nomeou-o cardeal (sem direito de voto em eleições pontifícias), mas von Balthasar morreu dois dias antes da cerimónia.