sábado, 7 de setembro de 2013

Anselmo Borges: "Francisco: 4. sobre temas em debate"

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.


Sobre a lei do celibato dos padres, sobre a ordenação das mulheres, sobre a comunhão dos divorciados recasados, sobre o preservativo, sobre o casamento homossexual, sobre o aborto, sobre a eutanásia, o que pensa o Papa Francisco?

"O problema moral do aborto é de natureza pré-religiosa, porque no momento da concepção reside o código genético da pessoa. Já ali se encontra um ser humano. Separo o tema do aborto de qualquer concepção religiosa. É um problema científico." "A vida humana deve ser defendida sempre desde a concepção."

Quanto ao preservativo, não ignorará que Bento XVI já abrira a porta, pelo menos em certos casos.

Sobre o celibato sabe por experiência própria. Quando era seminarista, ficou deslumbrado por uma rapariga. "Surpreendeu-me a sua beleza, a sua luz intelectual... e, bom, andei baralhado durante algum tempo, a dar voltas à cabeça." Ainda era livre, porque era seminarista. Teve de repensar a sua escolha.

"Voltei a escolher o caminho religioso - ou a deixar que ele me escolhesse. Seria estranho que não se passasse este tipo de coisas." Quando aparece um padre a dizer que engravidou uma mulher, "ouço-o, procuro transmitir-lhe paz e aos poucos faço-o perceber que o direito natural é anterior ao seu direito como padre". No catolicismo ocidental (no Oriente, os padres podem casar-se), "o tema está a ser discutido", mas "por enquanto mantém-se firme a disciplina do celibato". "Trata-se de uma questão de disciplina, não de fé. É possível mudar."

Quanto à mulher na Igreja, "pensem: a Virgem é mais importante do que os apóstolos", "a mulher na Igreja é mais importante do que os bispos e os padres", "é necessária uma profunda teologia da mulher". Mas, "quanto à ordenação das mulheres, a Igreja falou e diz não. Disse-o João Paulo II, com uma formulação definitiva. Essa porta está fechada".

Quanto à comunhão das pessoas que voltaram a casar-se, é preciso pensar que a Igreja é mãe e misericórdia e "creio que o problema deve ser estudado no quadro da pastoral matrimonial." Não esquecer que a Igreja ortodoxa tem uma práxis diferente, "dá uma segunda possibilidade."

Sobre o lobby gay no Vaticano. "Quando nos encontramos com uma pessoa assim, deve-se distinguir entre o facto de ser gay e o facto de fazer lobby, porque nenhum lobby é bom. Se uma pessoa é gay e procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?" O Catecismo da Igreja Católica "explica isto de forma muito boa: não se deve marginalizar estas pessoas. É preciso integrá-las na sociedade. O problema não é ter esta tendência. Devemos ser irmãos. O problema é fazer lobby. Lobby desta tendência ou lobby dos avaros, dos políticos, dos maçons".

Ainda cardeal, sobre o casamento homossexual. "Sabemos que, em tempos de mudanças históricas, o fenómeno da homossexualidade aumentava. No entanto, no nosso tempo, é a primeira vez que se levanta o problema jurídico de a associar ao casamento, o que considero uma menos valia e um recuo antropológico. Digo-o, porque esta questão ultrapassa o plano religioso, é antropológica. Quando o chefe do Governo da cidade de Buenos Aires, Mauricio Macri, não apelou da sentença de uma juíza de primeira instância autorizando o casamento, senti que tinha algo a dizer, e, como forma de orientação, senti-me obrigado a manifestar a minha opinião. Foi a primeira vez em 18 anos de bispo que fiz uma crítica a um funcionário. Em momento algum falei depreciativamente dos homossexuais, mas intervim apontando uma questão legal." "Se houver uma união de tipo privado, não há um terceiro ou uma sociedade que sejam afectados. Ora, se dermos à homossexualidade a categoria matrimonial, os homossexuais ficam habilitados à adopção, e poderá haver crianças afectadas. Qualquer pessoa precisa de um pai masculino e de uma mãe feminina que ajudem a representar a sua identidade."

Quanto à eutanásia, é preciso distingui-la da obstinação terapêutica. "As pessoas não são obrigadas a conservar a vida através de cuidados extraordinários. Isso pode ir contra a dignidade do indivíduo. Diferente é a eutanásia activa; esta é equivalente a matar."

2 comentários:

Jorge Pires Ferreira disse...

Não duvido da importância que Nossa Senhora (gosto mais desta expressão do que "Virgem", embora "Nossa Senhora" possa fazer um protestante dar saltos na cadeira) tem na versão católica do cristianismo.

Mas "mais importante do que os apóstolos" numa Igreja que é apostólica? Algo me parece dissonante nesta medida de importância.

Fernando Correia de Oliveira disse...

" Quando aparece um padre a dizer que engravidou uma mulher, "ouço-o, procuro transmitir-lhe paz e aos poucos faço-o perceber que o direito natural é anterior ao seu direito como padre". No catolicismo ocidental (no Oriente, os padres podem casar-se), "o tema está a ser discutido", mas "por enquanto mantém-se firme a disciplina do celibato". "Trata-se de uma questão de disciplina, não de fé. É possível mudar."

ouve-o, procura transmitir-lhe paz... e à mulher engravidada pelo padre? ouve-a? procura transmitir-lhe paz? tudo isto soa a misogenia e a hipocrisia, mas não surpreende. nada de novo sob o sol, portanto.

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