sábado, 27 de abril de 2013

O diálogo, essa coisa tão difícil para a nossa tradição intolerante


Excerto de uma entrevista ao teólogo moralista Juan Masiá, que há dias esteve ali ao lado, e, Vigo. Esta parte aplica-se a certas discussões cá no blogue:
Não é verdade que muitas pessoas não o consideram Igreja? Você não se sentiu excluído? 
É que aqui no nosso país [a Espanha] há um fenômeno um pouco peculiar que é essa tradição inquisitorial dos dois extremismos, da agressividade... Na Espanha, não houve transição cultural, não se deu o passo para a capacidade de poder compartilhar e opinar diferente, ter ideias diferentes e discuti-las, sem que isso signifique insultar, nem quebrar o pau. Aquilo que dizia Unamuno sobre a inveja espanhola. Nisto não houve transição. Os fanatismos estão muito arraigados, e isto se vê também dentro das instituições. Como se costuma dizer, “se você entrega a cabeça do Batista, em troca recebe um prêmio”. Se você denuncia alguém, alguns anos depois terá uma mitra. Às vezes, fomenta-se a denúncia, cartas anônimas, etc. E isso também é um problema fora da Igreja. A situação política espanhola delata a incapacidade em relação à democracia, ao debate plural.

E esta também:
Deixarão que Francisco faça mudanças? 
O deixaremos (porque os que podem impedir não são um grupinho ao lado, a Cúria; temos que nos incluir). Ou o apoiamos ou o freamos. 
E como podemos apoiá-lo? Como ele poderia fazer para contentar a uns e outros? Acredita que buscará o consenso? 
Mas não é o consenso dos políticos, que sempre é de meias palavras. Precisamos convergir nas coisas verdadeiramente essenciais. Um exemplo: há alguns dias estava em um grupo discutindo sobre a homofobia, e havia algumas pessoas que diziam que não se deve chamar casamento a união homossexual, enquanto outros diziam que sim. Este é um tema que juridicamente e por muitas razões está aí, e é possível continuar discutindo. Os que dizem uma coisa e os que dizem o contrário aduzem suas razões, e se não se convencem mutuamente, continuarão pensando igual. Mas há um ponto em que o mais avançado e o mais conservador não podem senão estar de acordo, e o digo citando um documento nada suspeito de “excessiva abertura”: o Catecismo, que diz que de maneira alguma e sob nenhuma hipótese se pode nem se deve discriminar uma pessoa por sua orientação sexual. Isto não é passível de debate. Então, com a tranquilidade de estar de acordo em algo tão fundamental, podemos seguir falando das outras questões sem discutir e sem nos discriminar mutuamente.
A dinâmica de buscar o que nos une em vez daquilo que nos separa? 
Claro. Isto já o dizia Santo Agostinho, e todos enchem a boca citando-o, mas depois não o colocam em prática. Nas coisas essenciais, unidade. Nas outras, liberdade. E em todas, acrescentava, caridade.

E esta responde a uma pergunta que já algumas vezes tinha colocado a mim próprio:
O fato de que seja um Papa jesuíta enche a Companhia de orgulho? 
Muitas pessoas, no dia da eleição, vieram me felicitar porque é um Papa “dos nossos”. Mas isso significa que se fosse um Papa da Opus Dei teríamos que ficar chateados. Se eu me alegro com o fato de que seja um Papa jesuíta e alguns anos depois me entristeço que seja um Papa da Opus, isso quer dizer que eu não mudei nada. Ou seja, que a mudança de que estávamos falando eu não a fiz. Posso me alegrar pelo fato de como é e do que está fazendo, mas se me alegro com o fato de que seja jesuíta é como se acreditasse que agora eu tenho o poder.
Entrevista na íntegra aqui.

4 comentários:

Anónimo disse...

De facto. Lendo alguns comentários que têm crescido neste blog ao ritmo de cogumelos, não me sinto Igreja. Felizmente que Deus terá outra opinião.

Jorge Pires Ferreira disse...

Obrigado pelo reforço.

Anónimo disse...

"se você fôr delator, uns tempos depois terá uma mitra" Porque será que o veneno é tão indelével? Masia (q eu não conhecia) a discorrer sobre os insultos e a reconciliação e as dificuldades desse caminho, inadvertidamente (ou não) faz bem juz a essa dificuldade pelo que diz e consegue deixar logo uma farpa com o veneno suficiente para demonstrar que afinal o tal diálogo se calhar não é o principal objectivo. Bem prega frei Tomás pregando aquilo que não faz
....começa bem, Macia (!) Fiquei logo cheio de vontade de não perder mais tempo em saber o que pensa

Jacome

Anónimo disse...

Como se costuma dizer, “se você entrega a cabeça do Batista, em troca recebe um prêmio”. Se você denuncia alguém, alguns anos depois terá uma mitra. Às vezes, fomenta-se a denúncia, cartas anônimas, etc. E isso também é um problema fora da Igreja. A situação política espanhola delata a incapacidade em relação à democracia, ao debate plural.

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