sábado, 16 de fevereiro de 2013

Anselmo Borges: "Bento XVI resigna. E depois?"


Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

Julgo que não se consegue imaginar o peso que cai em cima de quem aceita ser Papa. Torna-se o responsável primeiro pela Igreja Católica, com 1200 milhões de fiéis. Uma Igreja vergada sob a rigidez da tradição e talvez a única instituição verdadeiramente global, portanto, confrontada com múltiplas sensibilidades, problemas e aspirações: as questões dos europeus não são as dos norte-americanos, dos sul-americanos, dos africanos, dos asiáticos, dos australianos. É uma figura de relevo mundial, com imensa influência política no mundo, mas sujeito aos seus jogos, manhas e ardis. Mesmo viajando pelo mundo inteiro, fica a viver num pequeno território, com os seus rituais seculares e rígidos. Num mundo de homens. Só, onde, quando e como contacta com a família e com os amigos? E os olhos de todos estão sobre ele. Quase sem vida privada. Monarca absoluto, mas com todos os passos vigiados. Qual é o seu poder real? O Papa João XXIII, interrogado por um estudante num Colégio universitário pontifício: "Santidade, como é sentir-se o primeiro?", terá respondido: "Está enganado. Pus-me a contá-los e eu, lá no Vaticano, devo ser o quarto ou quinto."

Bento XVI não foi sempre conservador. Ainda só professor, escreveu em 1968: "Acima do Papa encontra-se a própria consciência, à qual é preciso obedecer em primeiro lugar; se for necessário, até contra o que disser a autoridade eclesiástica. O que faz falta na Igreja não são panegiristas da ordem estabelecida, mas homens que amem a Igreja mais do que a comodidade da sua própria carreira." Também escreveu que era necessário repensar a descentralização da Igreja, abrindo um debate sobre o primado papal. Opondo-se à teologia da "satisfação" que situava a Cruz "no interior de um mecanismo de direito lesado e restabelecido", rejeitou a noção de um Deus "cuja justiça inexorável teria exigido um sacrifício humano, o sacrifício do seu próprio Filho. Esta imagem, apesar de tão espalhada, não deixa de ser falsa". Defendeu, com outros grandes teólogos, a necessidade de debater a questão do celibato obrigatório.

Quando, jovem professor de Teologia, chegou ao Concílio Vaticano II como assessor do cardeal J. Frings, de Colónia, foi crítico de cinco dos sete esquemas preparatórios e foi provocador, criticando duramente a Cúria e a sua "atitude antimoderna": "A fé tem de enfrentar-se com uma nova linguagem, uma nova abertura."

Em 1968, frente à revolução de estudantes ateus de Teologia, teve medo, encontrando-se aí o ponto decisivo para a sua orientação conservadora; abandonou então a Universidade de Tubinga e o colega e amigo Hans Küng, para ir para Ratisbona. Depois, foi feito arcebispo de Munique e, mais tarde, como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, condenou dezenas de teólogos.

Aceitou o papado como "humilde servidor da vinha do Senhor". Deixa uma marca num tema que lhe é caro: a exigência do diálogo entre a fé e a razão; acabou por ser duro e inequívoco contra a pedofilia na Igreja; prosseguiu, embora timidamente, o diálogo com as confissões cristãs e as diferentes religiões, em ordem à paz; condenou sistematicamente a ditadura financeira sem regulação.

Percebeu que não controlava a Cúria, mergulhada em escândalos de corrupção e intrigas, até ao Vatileaks. Foi admoestando cardeais para "renunciarem ao estilo mundano de poder e glória", e dizendo que lhe coubera viver o pontificado de "um pastor rodeado de lobos". Queixava-se: "Os javalis entraram na vinha do Senhor." O cardeal W. Kasper foi advertindo que Bento XVI andava "muito triste" com o péssimo clima no Vaticano.

Fragilizado, sentindo-se sem forças no corpo e no espírito, anunciou que resigna no próximo dia 28, às 20.00 (19.00 em Lisboa e Funchal). Um gesto de inteligência, honestidade e humildade, que fica para a História, pois quebra um tabu e mostra que o Papa é tão-só um servidor da Igreja e do mundo, continuando humano, também com as suas debilidades. Depois, retira-se para um convento, para rezar, meditar, tocar e ouvir música, escrever, mantendo o apagamento. Os cardeais elegerão um novo Papa. Talvez europeu ou latino-americano.

7 comentários:

Anónimo disse...

Ontem na SIC Notícias estiveram no "Expresso da Meia-Noite" Tolentino Mendonça, Aura Miguel, Henrique Monteiro e António Marujo. Alguém se deu conta do Tolentino? Quando é chamado a pensar fora do âmbito do poder falar com vozinha enfatuada e com os olhos revirados em busca de palavrinhas poéticas, não diz nada de nada. Uma vergonha.

António Marujo: 18 valores;
Henrique Monteiro: 14 valores;
Aura Miguel: 12 valores;
Tolentino Mendonça: 6 valores.

Anónimo disse...

Mesmo neste artigo de Anselmo Borges (que aprecio) fazem-se afirmações um pouco brejeiras. Andava triste o Papa? Leio imenso mas foi a primeira vez que li isto. Tenham um pouco de juízo no que escrevem.

Anónimo disse...

Hehehehe. Pensei o mesmo que você, ó Anónimo das 10:43.

Anónimo disse...

Vejo que neste blogue os inimigos do P.Tolentino têm todos duas características em comum: a rasquice e o anonimato.

Rui Jardim

Anónimo disse...

Pois. Já os que chamam ao p. Borges de "sapo" e coisas afins, mostram-se perfeitamente cordatos, inteligentes e caridosos. E, acima de tudo, não assinam com falos nomes. Pois.

Anónimo disse...

Sou açoriano e vivo na Horta e acuso a discriminação a que fui votado por o autor deste texto não ter dito que aqui é uma hora mais cedo.

Anónimo disse...

Alegra-me, pois assim não me sinto uma "ilha", ver que outras pessoas pensam o mesmo do padre/poeta. A única coisa de interessante que ele disse ontem foi quando citou um filósofo italiano. De resto foi um exemplo consumado de boçalidade.

Adalberto Pinto de Castro

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