As vidas de Jesus, destinadas aos devotos, exalam quase todas um não sei o quê de rançoso e cediço que repele, desde as primeiras páginas, o leitor afeito a mais delicados e substanciais manjares. Sente-se nelas um fumo de pavio extinto, um mau cheiro de incenso antigo e de azeite ordinário que impede a respiração.O incauto que delas se aproxima, se recorda as vidas dos grandes, escritas com grandeza, e tem alguma noção da poesia e da arte de escrever, sente-se desfalecer ao peneirar nessa prosa frouxa, mole, desfibrada, toda feita de remendos e de lugares infelizmente demasiado comuns, que foram vivos há mil anos mas hoje estão exânimes, vitrificados, baços como as pedras de um lapidário ou as vírgulas de um formulário.
Giovanni Papini, "História de Cristo", pág. 11
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2 comentários:
Não me leve a mal. mas quando penso em Papini esta sua descrição é exactamente o que me vem à mente. Mudam-se os tempos, mudam-se as percepções e os gostos. "Mea culpa".
Fernando d'Costa
Obrigado pelo comentário. Claro que não levo a mal. Compreendo a sua apreciação, mas continuo a gostar do estilo (barroco? hiperbólico? paradoxal?) de Papini. Passei boas tardes da adolescência a ler o "Relatório sobre os homens". Talvez devesse antes ler ou fazer outras coisas... Na altura nem sabia que Papini tinha sido apoiante de Mussolini.
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