Claro que o trato por
Joseph,
qualquer outro tratamento seria inimaginável.
Georg Ratzinger, pág. 237
Do alto dos seus 87 anos, idade que tinha quando o livro foi
ditado e escrito, em 2011, Georg Ratzinger (1924) oferece-nos um relato cheio
de simpatia, bondade e alguma graça sobre a sua vida e a do seu irmão, Joseph
(1927), que desde 2005 é o Papa Bento XVI.
Ordenados padres no mesmo dia (29 de junho de 1951) – Georg
atrasou-se uns anos devido à II Guerra Mundial – sempre os irmãos andaram
próximos, ainda que o mais velho tenha ficado por Ratisbona, onde dirigiu o
coro infantil dos “Pardais de Ratisbona”, de fama mundial, enquanto o irmão,
desde 1982, está por Roma. Supõe-se que a dependência seja mútua, mas Georg
descreve a sua em relação ao irmão Papa com uma abertura admirável. Conta,
pois, como ficou “abatido” quando ouviu o nome “Ratzinger” para sucessor de
João Paulo II, na tarde de 19 de abril de 2005, e não só por causa dos desafios
e fardos do ofício. “Fiquei triste porque ele já não teria tempo para mim.
Naquela noite, deite-me bastante deprimido. Durante toda noite e no dia
seguinte até à tarde, o telefone não parou de tocar, mas foi-me completamente
indiferente. Simplesmente não atendi. «Não me chateiem!», pensei” (pág. 227).
Mal imaginava que algumas dessas chamadas partiam do próprio Bento XVI. Para
que não volte a acontecer tal desencontro, Georg comprou um segundo telefone.
“Só ele [Bento XVI] tem o número da segunda linha. Se esse telefone tocar, sei
que é o meu irmão, o Papa” (pág. 228). “Desde então, telefona-me várias vezes
por semana, mas eu nunca o faço. É muito mais fácil para ele apanhar-me a mim,
porque estou sempre em casa enão tenho de cumprir nenhuma agenda” (pág. 236).
Além de constituir um belo exemplo de amizade fraternal,
este livro permite-nos ficar a conhecer muito da vida de Joseph Ratzinger,
principalmente antes do Papado, e em especial dos pais, o guarda Joseph
Ratzinger (1877-1959) e a cozinheira Maria Peintner (1884-1963), que se
conheceram através de um anúncio colocado no jornal “Mensageiro de Nossa
Senhora de Altotting”, quando o pai do Papa tinha 43 anos, corria o ano de 1920.
Uma família contra o
nazismo
Entre os muitos dados e histórias deste livro, realço a
relação da família Ratzinger com o nazismo. O futuro Papa tinha cinco anos
quando Hitler subiu ao poder, no início de 1933, e 12 no início da guerra, em
1939, mas não têm faltado, principalmente na imprensa internacional,
insinuações maldosas – porque infundadas – quanto a alguma simpatia pelo
nazismo, já que em 1943, 16 anos feitos, foi requisitado para ajudar na defesa
antiaérea de indústrias como a BMW, que nessa altura fabricava motores de avião
(a hélice continua a fazer parte do emblema da marca). Joseph, durante uma
inspeção militar, contou que queria ser padre e foi motivo de gozo. Perto do
final da guerra, em abril de 1945 (a guerra terminaria na Europa a 8 de maio
desse ano), consegue desertar e só por motivos nunca esclarecidos – talvez
porque os próprios oficiais antevissem o desfecho da guerra – não é fuzilado ao
ser descoberto em casa dos pais, para mais porque o seu Ratzinger sénior desabafou e revelou toda a sua ira contra
Hitler.
O pai do Papa, embora tivesse uma função ligada ao Estado,
como guarda, reformou-se em 1937, ao atingir os 60 anos e desconfiava
visceralmente de Hitler (certamente conhecia a posição do bispo que crismou e
ordenou os Ratzinger, D. Faulhaber, defensor dos judeus e redator principal da
encíclica com que Pio XI condenou o nazismo, “Mit brennender Sorge”, “Com
profunda preocupação”). Antes disso, recusou-se determinantemente a filiar-se
no partido nazi. Para não pôr em perigo a família, pediu à esposa que aderisse
à organização feminina do regime. “A minha mãe – diz Georg – contava o que se
passava nas reuniões da secção feminina nacional-socialista de Aschau. Não
falavam de Hitler, mas trocavam receitas de culinária, falavam dos seus jardins
e às vezes rezavam o terço em conjunto. Essas reuniões «nazis» eram bastante
atípicas e não tinham nada a ver com a ideologia castanha”. Quando começa a
guerra, Joseph sénior compra uma telefonia “porque tinha a certeza de que os
nazis só nos mentiam”, diz Georg. E Hesemann acrescenta: “Quando em 1940 Hitler
festejava os seus grandes triunfos, quase todos andavam eufóricos. Só o pai
Ratzinger se manteve obstinado. Uma vitória de Hitler nunca poderia ser uma
vitória da Alemanha, teimava. Aquela não era senão a vitória do Anticristo que
ia trazer tempos apocalípticos para os crentes e não só” (pág. 112).
Ursinho de peluche
Como curiosidade, uma entre várias, registe-se que Bento
XVI, em criança, ficou encantado com um ursinho de peluche que viu numa montra.
Todos dias ele e o irmão passavam pela loja a admirar o brinquedo. Um dia,
antes do Natal, o ursinho desapareceu e Joseph “chorou amargamente”, diz o
irmão mais velho. “Por fim, chegaram o Natal e as prendas. Quando o Joseph
entrou na sala enfeitada onde estava a árvore de Natal ornamentada, riu-se de
felicidade. Entre as prendas para as crianças, lá estava o Teddy para o Joseph.
Trouxera-o o Menino Jesus. Foi a maior felicidade da sua jovem vida” (pág. 43).
Mais tarde, Ratzinger teria direito a outro urso, o do seu
brasão de bispo de Munique e Freising, e, desde 2005, com algumas modificações,
de Papa. O urso nele representado é o urso de São Corbiniano, o primeiro bispo
de Freising (séc. VIII). Segundo a lenda, quando Corbiniano se dirigia para
Roma, um urso atacou e matou o seu cavalo. Não restando outro meio, Corbiniano
acalmou o urso e fê-lo transportar a bagagem até Roma. Diz-se que o urso domado
pela graça de Deus é o próprio bispo, enquanto a bagagem é o fardo do
episcopado.
O primeiro ursinho foi a maior alegria da “jovem vida”.
Desejamos que o segundo, com o inesperado fardo do pontificado, com as
preocupações e responsabilidades de ser sucessor de Pedro, represente a maior
alegria da vida que já vai nos 85 anos, feitos no dia 16 de abril, sendo sete
de Papa, assinalados no dia 19 deste mês (a eleição) e ontem (o início do
pontificado).
Nota: Ficam para mais tarde umas breves notas sobre dois aspetos negativos deste livro.
Nota 2: Para os que dizem que Bento XVI ri - contra a minha opinião de que ele não tem grande sentido de humor -, realço esta afirmação de Georg: “Por fim, chegaram o Natal e as prendas. Quando o Joseph entrou na sala enfeitada onde estava a árvore de Natal ornamentada, riu-se de felicidade. Entre as prendas para as crianças, lá estava o Teddy para o Joseph". Desejo do fundo do meu coração que Bento XVI ria muitas vezes de felicidade.
2 comentários:
Jorge, muito obrigado pelo resumo. Já me disseram que este livro vale muito a pena, mas ainda não pude ler.
Deixo aqui um artigo com a (mudança de) opinião dos vaticanistas em relação ao Papa: http://www.zenit.org/article-30156?l=portuguese
Muito interessante as suas citações sobre a obra do irmão de Ratzinger.
Muitas bênçãos em 2013.
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