sábado, 4 de fevereiro de 2012

"Feriados para quê?", pergunta Anselmo Borges


Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (aqui):

Não esperava voltar aos feriados. Se volto, é por causa da troika e do debate que se gerou. Não creio que o atraso nacional se deva propriamente aos feriados ou que seja a sua supressão que nos vai fazer dar um salto em frente. As razões do atraso - a ordem é arbitrária - são mais fundas: sem negar manchas felizes de excelência, uma educação coxa; falta de produtividade; não temos uma cultura do trabalho - a religião também influenciou; uma industrialização atrasada; o velho encosto ao Estado protector, que engordou desmesuradamente; incompetência na governação; assimetrias sociais gritantes; a corrupção e a aldrabice atávicas - não apareceram agora, por causa do fisco, mais de cem mil filhos inexistentes, e, nos centros de saúde, dois milhões de utentes-fantasmas?; excesso de administradores nas empresas públicas, com privilégios e prémios imerecidos; justiça lenta e sentida como desigual; desemprego galopante; uma multidão ondulante pendurada da política e dos partidos; cumplicidades entre a política e interesses privados... Quando se lê o estudo recente "A Qualidade da Democracia em Portugal: a Perspectiva dos Cidadãos", há razões sérias para preocupação.

Mas compreendo até certo ponto o projecto em curso, sobretudo porque há a tendência para as "pontes" e todo o problema dos gastos por causa da produção em cadeia.

Claro que o homem precisa de trabalhar. Essa é mesmo uma das suas características: é transformando o mundo que se humaniza. E esta relação com o mundo é mais do que uma relação de trabalho para a produção de bens para a subsistência, porque o trabalho é também realização própria, social e histórica, já que é construindo o mundo que a humanidade ergue a sua história de fazer-se. Cá está: o desemprego não é então dramático apenas por colocar em risco a subsistência, mas também a realização de si e o reconhecimento devido ao facto de contribuição na obra comum. Portugal precisa de responsabilidade no trabalho, de boa gestão, de educação e formação excelentes, de iniciativa e empreendimento, justiça social, estímulos salariais.

Mas o ser humano não se define apenas pelo trabalho. A sua relação com o mundo e com os outros é também de gáudio, de gratidão, de criação, de contemplação da beleza. O seu ser não se esgota na produção: destrói-se a si próprio, quando vive para sobreviver. Pelo contrário, sobrevive para viver, e viver tem em si a sua finalidade, e, nesse viver, estão presentes e gozosos a festividade, o "luxo", o gratuito, a alegria genuína e expansiva de ser, o inútil do ponto de vista da produção - "o fascinante esplendor do inútil", escreveu George Steiner.

Feriado quer dizer, atendendo ao étimo, precisamente dia festivo. Vale em si mesmo e por si mesmo. Tem a sua finalidade em si próprio e não é meio para outra coisa, concretamente para que os trabalhadores recuperem forças para poderem trabalhar outra vez e mais. É da natureza do feriado ser um acontecimento não programado: é um "luxo", uma "graça" inesperada. Para haver tempo para a família e o homem lembrar-se de que é criador festivo e não simples besta de carga.

Dimensão essencial do feriado é também a comemoração de um acontecimento importante, constituinte da identidade de um povo. Lá está a memória, a história e a simbólica.

No que se refere aos chamados "feriados religiosos", julgo que a Igreja lidou mal com o problema, ao situar-se no plano de reivindicação perante o Estado: dois feriados religiosos face a dois civis. No quadro de boas relações mútuas, a Igreja não pode nem deve colocar-se no plano da igualdade com o Estado, pois são ordens diferentes.

Deveria antes ir pela positiva e situar-se no plano daqueles feriados que, cultural e historicamente, estão para lá das pessoas religiosas, nos quais os portugueses em geral se vêem incluídos. Assim, a Páscoa celebra-se ao domingo. O Natal também é a festa da família. O dia dos Santos e dos Defuntos refere-se à memória, ao confronto com a morte e ao sentido da vida. A Imaculada Conceição é a Padroeira e lembra as mães. Na Sexta-Feira Santa, celebra-se o melhor: o amor, a entrega, a generosidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Há cerca de 3 dias ouvia a Joana Dias do BE afirmar em plena RTP que o NATAL também se podia remover. E anda o Zé Povinho triste por perder o Carnaval e nem sequer reage a declarações lorpas. Infelizmente a Europa não tem memória e vai piorar. O Beato JPII tinha toda a razão.

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