Por estes dias, neste blogue, que não tem estado tão estado
tão ativo da minha parte como era costume (em 2011 a média diária esteve nos
4,09 posts; em 2012 está nos 2,6), tem havido um grande debate, por vezes de surdos,
à volta de alguns textos.
Alguns leitores sugeriram que fechasse a
possibilidade dos comentários. Não o faço (atitude elogiada por outros) porque
penso sinceramente que há falta de debate e que o cristianismo é uma conversa
nunca acabada (apenas elimino os comentários que são spam).
Invoco nesta ideia da conversação infinita D. Manuel Clemente, a
quem ouvi dizer que esta conversa infinita não é conversa fiada, mas a continuação
daquela expressão apostólica, “Só tu tens palavras de vida eterna”, Agostinho
da Silva, que defendia a “vida conversada”, e o melhor da tradição judaica, das
sucessivas interpretações, dos textos sobre os textos sobre os textos, como
tão bem descreveu George Steiner (julgo que nas “Lições dos Mestres”).
Como tenho andado a pensar nisto do diálogo – mesmo com quem
nos irrita – e da liberdade de expressão, transcrevo para aqui dois excertos
lidos hoje mesmo no IHU, porque só não há coincidências se não as quisermos
ver.
Texto 1.
Não se fazem mais debates como antigamente. E a culpa não é da internet, pelo menos em parte. É certo que a facilidade de acesso a bases de dados de todos os tipos tirou dos congressos a novidade das descobertas, mas isso não é motivo para o esvaziamento das pautas, muito pelo contrário.
Justo hoje que as tecnologias de captação, distribuição e compartilhamento são cada vez mais baratas e fáceis de usar, o ambiente de simpósios deveria efervescer em ideias, confrontos, colaborações e esclarecimentos, cujo calor das discussões tornaria comuns episódios como a baixaria entre Karl Popper e Ludwig Wittgenstein, em 1946.
Wittgenstein argumentava que as questões filosóficas não passavam de problemas linguísticos. Popper discordava. Para estimular o debate, a Universidade de Cambridge convidou Popper para expor suas ideias, com Wittgenstein e outros figurões no auditório.
A expectativa era grande, mas não para o que ocorreu. Mal começado o evento, Wittgenstein pegou o espeto da lareira e, armado com ele, saiu gritando que Popper estava errado. A situação só não terminou em tragédia porque alguém da plateia gritou para que ele sossegasse. A lenda diz que a bronca veio de Bertrand Russell, pouco importa.
Hoje isso não aconteceria. Dominados pelo politicamente correto, eventos e palestras não estão abertos à discórdia. Como no Facebook, pode-se curti-los ou evitá-los, mas não há como reprová-los, pois até os comentários podem ser censurados. Gênios polêmicos como Popper, Wittgenstein e Russell, não propensos a críticas, dificilmente seriam convidados para a mesma mesa-redonda. E todos perderíamos.
Ler tudo aqui.
Texto 2.
[Manuel Castells] também observou que as pessoas, hoje, têm muito mais capacidade para intervir a partir da internet do que qualquer outro momento da história. Castells advertiu que as empresas de internet têm que aceitar a liberdade de expressão na rede, porque é isso o que as pessoas buscam: expressar-se, organizar-se e relacionar-se livremente. Caso contrário, os usuários vão buscar outros espaços sociais em que se respeite o direito a se manifestar e em que não se estabeleçam censuras.
2 comentários:
Caro Jorge,
Espero que tenha lido o último comentário que fiz no seu post muito interessante e algo trabalhoso sobre as tendências ad intra ecclesia, baseado em Radcliffe.
Já em relação a este post, acho interessante o título que apresenta, sendo aliás, parafraseado por outras pessoas com peso considerável a nível intelectual e eclesial, mas não só.
Mas reconheço também, nesses comentários, uma certa nostalgia pelos séculos XIX e inícios do XX.
Vê-se melhor quando em Igreja se recorda o Concílio Vaticano II e o espírito que o envolveu.
Mas esquece-se amiúde que para se chegar a dias tão primaveris, ou para se chegar a um debate Popper-Wittgenstein, há um árduo trabalho
de investigação, de pesquisa, de leitura e de escrita, e só depois se dá lugar ao debate. Hoje é difícil alguém atingir tal capacidade, sobretudo para quem trabalha seja onde for, menos a investigar.
Mas vamos aguardando que alguém ou alguéns, apareça(m)...
Cumprimentos,
Paulo Campos
Paulo, só li há pouco o seu comentário e já lhe respondi. É certo que, dado o fluxo da informação e as áreas do saber, é difícil acompanhar o que há de mais significativo nos nossos campos de interesse, mas, mesmo assim, não podemos deixar de estar prontos para dar razões da nossa fé ou da nossa esperança, como se diz numa das cartas de Pedro. Por outro lado, e era esse o sentido do post, não devemos recear o debate, a discussão, mesmo quando, como Wittgenstein, ficamos irritados. Na verdade, acho que é possível bons debates sem a irritação do filósofo austríaco.
Abraço
JPF
Enviar um comentário