“Vivemos na primeira civilização ateia, por outras palavras,
numa civilização que perdeu a conexão com o infinito e a eternidade”, disse Vaclav
Havel (1936-2011) na abertura da 14.ª Conferência do Forum 2000, em Praga, e
repetiu uma série de vezes, como recordou Jorge Almeida Fernandes, num artigo
do “Público” no sábado passado, a propósito da morte do estadista checo (18-12-2011).
Quando li estas palavras, pensei que se referia à realidade
checa. O seu país é o que tem maior número de ateus na Europa – facto abundantemente
recordado a quando da visita de Bento XVI à República Checa, em Setembro de
2009. Mas Havel pretendeu abarcar a realidade europeia e mesmo mundial. Disse em
2007 ao “Nouvel Observateur” (em relação a Vaclav Havel cito sempre o mesmo
texto do “Público” de 24-12-2011) que a sua grande preocupação não era o
terrorismo: “É a dinâmica suicidária da evolução da nossa civilização
planetária”. Neste sentido geográfico, o checo concordaria com Marcel Gauchet,
que afirmou em 2004 que o séc. XXI se anunciava como “o século da marginalização
social e política do cristianismo”. Isso já acontece na Europa, a qual, diz o
francês, “neste ponto, anuncia o futuro”.
Porquê “dinâmica suicidária”? Havel: “É como se estivesse
obstinada em perseguir objectivos de curto prazo, quando a sorte do planeta
exige um mais agudo e voluntário sentido de antecipação”. E ainda: “Pela primeira
vez na História, assistimos ao desenvolvimento de uma civilização
deliberadamente ateia. Deve alarmar-nos”. Noutro momento afirmou: “A transcendência
é a única alternativa à extinção”. Esta frase não anda longe de outra de Remi Brague
à revista católica “30 Giorni”: “O ateísmo não mata os homens, mas impede que
eles nasçam”. Sociedade sem horizontes de futuro, principalmente meta-histórico,
transcendência, não se reproduzem. Outra vez Havel: “O Ocidente democrático
perdeu a capacidade de proteger e cultivar os valores que não cessa de reclamar
como seus. (…) O pragmatismo dos políticos que querem ganhar eleições futuras,
reconhecendo a vontade e os humores duma caprichosa sociedade de consumo,
impede esses mesmos políticos de assumirem a dimensão moral, metafísica e
trágica da sua própria linha de acção. (…) Uma nova divindade tende a suplantar
o respeito pelo horizonte metafísico da vida humana: o ideal de uma produção e
de um consumo incessantemente crescentes”.
Havel não se considerava crente – “sou apenas meio crente” –,
mas estava convencido de que “há um ser, uma força velada por um manto de
mistério”. “É o mistério que me fascina”.
Novamente Gauchet, que é agnóstico, para terminar, não sobre
a sociedade, mas sobre a democracia numa sociedade pós-cristã: “O que ameaça a
democracia, hoje, é o vazio, a futilidade, o esquecimento, a facilidade, o curto
prazo, a superficialidade. As religiões e o cristianismo, em particular, têm o
sentido do essencial, do trágico, do mistério da aventura humana, todas as
coisas que a democracia facilmente ignora. Elas podem ser decisivas para a
democracia”.
1 comentário:
Quem vai a Praga sente e sentia um carinho por este que faleceu. As populações gostavam e admiravam Vaclav. Já não se pode dizer o mesmo do actual. Segundo muitos relatos este que faleceu era muito próximo da Igreja Católica e João Paulo II. Paz à sua alma que de deixou um legado enorme.
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