O título em forma interrogativa desta crónica foi sugerido por uma afirmação cuja autoria não pertence a nenhum teólogo perigoso, mas ao próprio Papa Bento XVI, quando era simplesmente Joseph Ratzinger: "Hoje, a Igreja converteu-se para muitos no principal obstáculo para a fé." Afinal, apenas uma constatação. É verdade que, sem a Igreja, como se teria ouvido falar de Jesus e do Deus de Jesus? Mas, por outro lado, lá está o teólogo J. I. González-Faus a dizer que a Cúria é responsável por mais ateus do que Marx, Nietzsche e Freud juntos.
Já aqui apresentei as ideias fundamentais da mais recente obra de Hans Küng: Ist die Kirche noch zu retten? (A Igreja ainda tem salvação?). Retomo a questão, partindo de uma entrevista sua à SWR2, a propósito do livro.
A quem o acusa de ressentimento responde: "Não. Julgo que continuo a ser capaz de falar muito bem com o Papa pessoalmente. Continuamos a manter correspondência e ele sabe que a minha preocupação é simplesmente a Igreja, mas que tenho uma concepção diametralmente oposta à sua no que se refere ao caminho a seguir. Interessa-me ressaltar que não chegámos a esta situação através do Papa Ratzinger, mas como evolução a partir do século XI." Aliás, enviou o livro a todos os bispos alemães, e as reacções foram "cordiais", e também a Bento XVI, com "uma carta cortês", na qual expunha como a sua intenção é ajudar a Igreja. E Ratzinger, num "gesto positivo", fez-lhe chegar o seu agradecimento.
Como exemplo da crise que atravessa a Igreja apresenta o caso da sua própria comunidade na Suíça. Havia quatro padres, hoje não há nenhum. Há um diácono fantástico, mas ele não pode presidir à Eucaristia por não ter sido ordenado sacerdote, e não pode sê-lo, porque é casado. "É completamente absurdo. Temos de abordar uma série de pontos muito concretos: 1. o celibato tem de ser opcional; 2. as mulheres têm de ter acesso aos cargos eclesiais; 3. é preciso permitir que os divorciados participem na Eucaristia; 4. deve estabelecer-se comunidades eucarísticas entre as diferentes confissões cristãs, sem se ter de esperar outros 400 anos."
Quando se faz o diagnóstico, vai-se ter inevitavelmente à reforma gregoriana. "A doença é o sistema romano", cujo gérmen foi introduzido com a chamada reforma gregoriana de Gregório VII, no século XI. Foi aí que se introduziu o papismo, o absolutismo papal, segundo o qual uma só pessoa na Igreja tem a última palavra. Isso produziu a cisão da Igreja Oriental. Aí radica o predomínio do clero sobre os leigos e o celibato obrigatório. A Reforma não teve êxito. O Vaticano II tentou lutar contra a situação, mas, com os dois últimos Papas, entrámos no restauracionismo.
O sistema de domínio romano faz com que se publiquem permanentemente documentos, sem perguntar ao episcopado nem consultar ninguém. É como se a Cúria tivesse o monopólio da verdade da Igreja. E por que é que os bispos mantêm o silêncio? "Porque já foram seleccionados no contexto de compromissos prévios, porque na ordenação prestaram juramento ao Papa, porque não podem falar livremente."
Mas quem vai admitir hoje que "uma só pessoa reclame para si o poder legislativo, executivo e judicial sobre uma comunidade de mais de mil milhões de pessoas?" A palavra "hierarquia" (poder sagrado) não se encontra no Novo Testamento; o que aparece é "diaconia" (serviço). "Hoje reina uma estrutura medieval que, em princípio, só se encontra nos países árabes. Recorda-nos o comunismo: baseia-se no secretário de um partido único que decide tudo. O resto foi escolhido em função da sua lealdade à linha papal. O mesmo se passa com os bispos. Mas já nem na Arábia se aceita os autocratas."
E a terapia? Faz falta, em primeiro lugar, "voltar às origens". "É impensável que Jesus de Nazaré comparecesse numa cerimónia do Papa; ele não teria lugar. É simplesmente uma manifestação de poder pomposa e imperial, onde todos aplaudem e os senhores deste mundo participam para serem vistos e ganhar votos."
A Igreja tem de regressar ao Evangelho. "Reclamo uma Glasnost e uma Perestroika".
15 comentários:
Caso para perguntar porque é que Bento XVI não dá seguimento às advertências tão pertinentes de Joseph Ratzinger. Pelo contrário, até parece que Bento XVI continua a fazer aquilo que Ratzinger denunciava. Cresce, em muita gente, a sensação de que a Igreja é o tal obstáculo em vez de ser anúncio. Mas, quando se fala da Igreja, é preciso não tomar a parte pelo todo. E é preciso ter a coragem de identificar a origem do problema. Ele está sobretudo na hierarquia, nos pastores. Ainda hoje, vem uma entrevista na revista do Expresso que, com todo o respeito, é uma decepção. Desde logo, a pose. Adivinha-se ali alguma vaidade e muito deslumbramento. Um bispo jovem não podia ter a profética ousadia de viver numa casa simples? Para que viver num paço? Ainda por cima, estamos numa região com tanta gente pobre que, na sua boa fé, contribui para as despesas da instituição eclesiástica. Depois, aquela ideia dos Papas como sucessores de Cristo é estranha. Que se saiba, os papas são sucessores do apóstolo Pedro. Cristo é único, não tem sucessores. A seguir, quando fala da ética, podia ser um pouco mais humilde. Há tanta gente sem fé e que tem grandes princípios éticos. Do mesmo modo, há muita gente religiosa que, neste capítulo, deixa muito a desejar. «A ética baseia-se também numa fé». Em muitos casos, sem dúvida, mas há quem baseie e viva uma ética com base noutros princípios. «Não podemos falar de uma outra ética subjectiva. Não é a simples declaração universal dos direitos do homem». Não? Se esta declaração fosse vivida, o mundo seria melhor. «Tenho muito receio de uma ética sem religião, porque leva-nos aos fundamentalismos». Como? Os fundamentalismos também estão na religião. Falta aqui alguma largueza para perceber que os valores da fé sobrevivem em muita gente que diz não a ter. Custa-me dizer, mas creio que, em Portugal, vamos ter de continuar à espera de um sucessor à altura de um D. Manuel Martins ou de um D. António Ferreira Gomes. É com pena que o digo.
Teresa,
se me permite, independentemente da razão que apresenta, marque uma entrevista e converse com esse bispo jovem. Nada melhor que conhecê-lo pessoalmente e conversar francamente. Acredite que será muito bem recebida e que a conversa será mesmo franca. Por mim falo, que já o fiz.
Afirmar que D.Cordeiro é vaidoso é pura demagogia. A Teresita terá de o conhecer pessoalmente ou indagar e vai ficar decepcionada pois é precisamente o contrário de que afirma. Mas percebo este tipo de expressões gratuitas e cheia de preconceitos...
Também conheço D. Cordeiro e só posso ficar um pouco admirado com a primeira interveniente, aliás, acredito que este jovem bispo no futuro seja o "substituto" de algumas figuras marcantes da Igreja em Portugal, exemplos: D. Policarpo, D. Clemente, D. António Ribeiro.
Como o Esxpresso é um pouco "carote" seria excelente que o autor do blogue dispusesse a entrevista do bispo que os intervenientes acima tanto falam. O certo é uma coisa: este bispo não precisa de "polémicas" para aparecer nos meios de comunicação. Já vi e li várias reportagens e tem uma grande empatia com o grande público. A Igreja só tem a ganhar com este tipo de intervenção.
«Um bispo jovem não podia ter a profética ousadia de viver numa casa simples? Para que viver num paço?»
Quem lhe disse Teresa, que este bispo jovem não quer viver de forma simples?
Conhece-o?
Eu já tive a grata satisfação de o conhecer e conversar com ele no paço, onde agora vive, assim como poderia ter conversado noutro sítio qualquer, porque este bispo não é essa pessoa vaidosa que pretende demonstrar.
Vive no paço, e depois? Pensa que é bom?
Experimente lá ir, mas agasalhe-se muito bem mesmo, porque ali não há conforto, ao contrário do que pensa. Há simplesmente objectos de valor histórico, como se de um museu se tratasse e que o bispo já lá encontrou.
Não fale do que não sabe.
Já lá estive e saí gelada, mas reconfortada pelas palavras sábias e bondosas deste bispo.
Helena
Nem tudo o que parece é mas de facto a postura mostra algum narcisismo... É o que transparece. Mas pode não corresponder à realidade. Mas contam-se pelos dedos da mão os sacerdotes humildes e disponíveis.
Bem, após ler os comentários todos que aparecem só se pode tirar uma conclusão: duas intervenções totalmente anti-clericais. É preciso ter muita lata para afirmar que em cerca de mil e tal sacerdotes que existem no país só haja os dedos de mão para ver sacerdotes humildes. Apetece dizer: meta a viola no saco mas leve a taça. Tenha vergonha na cara.
Também li o "Expresso" de hoje.
Também fiquei decepcionado como Teresa.
Também não tenho vergonha na cara para dizer que o tão mediático bispo me pareceu apenas mais um "funcionário de Deus"...
Tantos lugares-comuns embrulhados em celofane e açúcar...
E creia, caro amigo, que não sou anti-clerical, embora pense (e acredito) que há um anti-clericalismo que é profundamente cristão.
Bom Domingo !
Para o último post aqui vai: ainda pagavas para o conhecer. Ai querido cotovelo...
O que me soa estranho em torno deste bispo mais jovem de Portugal nem sequer é esse conservadorismo que a Teresa aponta. Estranho principalmente o facto de tanto mediatismo em torno de uma pessoa que, que se saiba, ainda não teve tempo de fazer um trabalho relevante no seu magistério, que justifique tanta publicidade.
Tem livros publicados mas foram escritos enquanto padre, por isso ainda não consegui descortinar a intenção, o objectivo de tudo isto.
É que a quantidade de reportagens, notícias e entrevistas passam para lá do normal.
Não acredito que seja só por ser tão novo.
Cheira a esturro!
"Notícias e entrevistas passam para lá do normal." Quem faz uma afirmação destas não está neste mundo. Não deve acompanhar os meios de comunicação social. É perfeitamente natural que o bispo mais novo da península ibérica e o mais novo nomeado pelo Papa Bento este último ano seja um "alvo" dos media. Quanto ao esturro... Mais uma vez preconceitos.
A verdade que deveria fazer relectir os cristãos é que as igrejas estão cada vez mais vazias... Discutir acerca do mérito ou deméritico mediático de
figuras da hierarquia parece-me "frívolo".
P.S.: Ah, falta-me acrescentar : nunca sofri de dores de cotovelo. Dessas, nunca... De outras, sim.
Seguindo a sugestão de um anónimo, vou colocar neste blogue a entrevista da "Única / Expresso" a D. José Cordeiro, que já deve ter feito o pleno das entrevistas na imprensa generalista portuguesa. Aproveitarei a ocasião para introduzir a etiqueta José Cordeiro. Assim, com um só clique, surgirão todas as entrevistas e os textos em que é referido. Alguns fãs do sr. bispo vão ficar muito contentes.
São essas mesmas, as outras.
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