sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Eco do eco que Eco faz de Tomás





Eu gosto de Umberto Eco. Os livros dele são apreciados cá por estes lados (vi agora que tenho 19 referências a ele neste blogue). Há meses que me falta ler umas 30 páginas de “O Cemitério de Praga”, não por desejar adiar o final, mas por me parecer que o desenlace não vai surpreender e entretanto terem surgido outras leituras. É o caso de “Construir o Inimigo e outros escritos ocasionais” (Gradiva), também de Eco, de que já li os primeiros seis de quinze ensaios. Ora num deles, Eco não é honesto.

Em “Os embriões fora do paraíso”, que há dias foi reproduzido pelo suplemento “Q” do “Diário de Notícias”, Eco diz o seguinte, depois de expor as ideias de Tomás de Aquino sobre a vida embrionária: “É curioso que a Igreja, que sempre se reclama do magistério do doutor de Aquino, sobre este ponto tenha decidido afastar-se tacitamente das suas posições”.

Quais as posições do “doutor angélico”? Quanto à vida embrionária, Tomás pensava que primeiro surgia a alma vegetativa, depois a alma animal ou sensitiva e só por fim a alma racional, intelectiva, a realmente alma humana, pelo que “seria infantil pedir a São Tomás absolvições para quem pratique um aborto dentro de um dado período de tempo [antes da chegada da alma intelectiva, que incluía e superava as outras]”. Eco não o diz, mas podia acrescentar que, segundo Tomás, a alma racional (ou intelectiva) habitava o corpo do embrião masculino mais cedo do que o embrião masculino, pelo que, pela mesma ordem de ideias ecotomistas, haveria mais tempo para abortar um embrião feminino.

Eco remata que, na questão do aborto, não seguindo Tomás, a posição da Igreja “parece sobretudo um alinhamento com as posições do protestantismo fundamentalista”. Se a Igreja seguisse Tomás - pergunto -, deveria fazê-lo só em relação aos embriões masculinos ou também femininos? E neste segundo caso, como não acusá-la de machista? 

Eu preferia que Eco criticasse a Igreja de outro modo, mais ou menos assim: se a Igreja não segue Tomás de Aquino na questão do aborto porque os avanços científicos permitiram conhecer mais e melhor a vida intra-uterina, porque o segue noutras áreas em que o aquinitense também revela concepções antropológicas necessariamente limitadas pelo conhecimento científico da época? Estou a pensar na misoginia – à luz de hoje, não do seu tempo – do maior teólogo e filósofo cristão.

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