Eu gosto de Umberto Eco. Os livros dele são apreciados cá
por estes lados (vi agora que tenho 19 referências a ele neste blogue). Há meses
que me falta ler umas 30 páginas de “O Cemitério de Praga”, não por desejar
adiar o final, mas por me parecer que o desenlace não vai surpreender e
entretanto terem surgido outras leituras. É o caso de “Construir o Inimigo e
outros escritos ocasionais” (Gradiva), também de Eco, de que já li os primeiros
seis de quinze ensaios. Ora num deles, Eco não é honesto.
Em “Os embriões fora do paraíso”, que há dias foi
reproduzido pelo suplemento “Q” do “Diário de Notícias”, Eco diz o seguinte,
depois de expor as ideias de Tomás de Aquino sobre a vida embrionária: “É
curioso que a Igreja, que sempre se reclama do magistério do doutor de Aquino,
sobre este ponto tenha decidido afastar-se tacitamente das suas posições”.
Quais as posições do “doutor angélico”? Quanto à vida embrionária,
Tomás pensava que primeiro surgia a alma vegetativa, depois a alma animal ou
sensitiva e só por fim a alma racional, intelectiva, a realmente alma humana, pelo que “seria infantil pedir
a São Tomás absolvições para quem pratique um aborto dentro de um dado período
de tempo [antes da chegada da alma intelectiva, que incluía e superava as outras]”. Eco não o diz, mas podia
acrescentar que, segundo Tomás, a alma racional (ou intelectiva) habitava o corpo do embrião masculino
mais cedo do que o embrião masculino, pelo que, pela mesma ordem de ideias ecotomistas,
haveria mais tempo para abortar um embrião feminino.
Eco remata que, na questão do aborto, não seguindo Tomás, a
posição da Igreja “parece sobretudo um alinhamento com as posições do
protestantismo fundamentalista”. Se a Igreja seguisse Tomás - pergunto -, deveria fazê-lo só em relação aos embriões masculinos ou também femininos? E neste segundo caso, como não acusá-la de machista?
Eu preferia que Eco criticasse a Igreja de outro modo, mais
ou menos assim: se a Igreja não segue Tomás de Aquino na questão do aborto
porque os avanços científicos permitiram conhecer mais e melhor a vida
intra-uterina, porque o segue noutras áreas em que o aquinitense também revela
concepções antropológicas necessariamente limitadas pelo conhecimento científico
da época? Estou a pensar na misoginia – à luz de hoje, não do seu tempo – do
maior teólogo e filósofo cristão.
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