Pedro Lomba refere no seu texto o livro de Gutav Zagrebelsky, “A Crucificação e a Democracia” (ed. Tenacitas, 2004), aqui. É uma óptima leitura para estes dias, uma grande reflexão sobre a democracia a partir do julgamento de Jesus.
Pilatos submete Jesus ao veredito do povo, num “procedimento «democrático»”. O povo escolhe matar o inocente, naquilo que parece um “irrefutável argumento contra a democracia”, “uma prova incontestável da insensatez da democracia”. Restam assim duas alternativas para a ética política. Ou o dogma de quem não precisa de perguntar ao povo ou a dúvida, ou o absolutismo ou o relativismo de valores. Para o espírito dogmático a democracia é, em princípio, inadmissível. Mas já a justifica o cepticismo, por conveniência e oportunismo. Dogmatismo e cepticismo só a aceitam na medida em que a democracia servir como força para impor uma verdade ou alcançar um consenso. Ambos concordam na instrumentalização da democracia.
Zagrebelsky, a partir do julgamento de Jesus, concebe uma terceira alternativa: a democracia crítica, o “regime das possibilidades sempre abertas”, em que as decisões irreversíveis (como fazer morrer alguém) são incompatíveis, mas em que pode haver dúvidas. Aliás, só quem tem convicções pode ter dúvidas. Pilatos, aparentemente democrático, tinha dúvidas mas não tinhas grandes convicções. Jesus tinha convicções, mas silencia-se, sujeita-se ao veredicto. Não é democracia o que acontece no julgamento de Jesus. Ou pelo menos não é a democracia crítica que o autor defende. “A democracia das possibilidades e da busca, a democracia crítica, deve mobilizar-se contra quem rejeita o diálogo, nega tolerância, busca somente o poder e crê ter sempre razão”. Pode-se aprender democracia crítica olhando para o processo de Jesus, que numa primeira instância é condenado pelo poder religioso do sinédrio (dogmático) e numa segunda pelo poder romano (relativista ou céptico).
“Ser homem de dúvida, mas não céptico, significa antes ter convicções mas não ceder à soberba até ao ponto de não estar disposto a coloca-las em questão. Mas o mesmo acontece com o homem de fé, quando não renuncia à sua liberdade e à sua responsabilidade e, não se sujeitando cegamente ao dogma eclesiástico, escuta na experiência da vida a palavra de Deus, com o temor de quem não teme ouvi-la ou, tendo-a escutado, com o receio de lhe compreender mal o significado, sabendo porém medir e incomensurabilidade das fontes” (pág. 141).
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