Gandhi dizia que gostava de Cristo, mas não dos cristãos. Um leitor comentou esta frase matinal dizendo que “se não gostava dos cristãos também não podia gostar de Cristo”. E rematou: “O gajo não percebeu Cristo...”
Eu não acredito na teoria da dupla verdade, mas ambos podem ter razão, excepto na parte de Gandhi não ter percebido Cristo. Acho que compreendeu, ele que tinha no seu quarto uma imagem de Jesus ressuscitado (aqui).
Por lado, Gandhi realçou a não continuidade absoluta entre Jesus Cristo e os cristãos. Outra versão da frase, por acaso também já aqui citada, diz: “Eu gosto de Cristo. Eu não gosto de vocês, cristãos. Vocês, cristãos, são tão diferentes de Cristo” (aqui). Basta olhar para a história. E o presente também oferece exemplos abundantes da nossa distância em relação a Cristo.
Porém, em abono do leitor anónimo, há continuidade entre Cristo e os cristãos, a começar pelo facto de a expressão “Jesus Cristo”, que comporta um credo (que Jesus de Nazaré é o enviado), ser uma afirmação eclesial, isto é, não é o nome de uma pessoa, mas o nome de uma pessoa mais a confissão de fé nessa pessoa. Em certo sentido, Cristo não existe se não houver cristãos que o reconheçam. Enviado a quem?
Em abono do meu desconhecido leitor invoco ainda Nietzsche, discordando do filósofo de bigode farfalhudo, em contraste com a careca de Gandhi, o qual tinha um bigodinho. O alemão dizia: “No fundo, só houve um cristão, e morreu na cruz”. Se Nietzsche tivesse razão, se o cristianismo fosse uma fé impraticável pelos humanos comuns, não haveria continuidade porque não haveria por onde continuar.
Pela frase de Gandhi, até parece que o estadista indiano era nietzschiano, como se só acreditasse no único cristão da história. Mas Gandhi acreditava no poder dos humildes, dos infra-homens, ao contrário do nihilista. Gandhi era um tudiísta. Ele simplesmente não gostava dos cristãos que não seguiam Cristo, género de cristãos comum a todas as épocas. Como Cristo ensinou, provavelmente com barbas, o trigo anda misturado com joio. São todos cristãos, mesmo que alguns não sejam de espírito e de esforço, havendo outros que o são de essência sem serem de nome. De qualquer forma para acabar com esta meditação de pilosidades, tranquiliza-nos saber que nem um só cabelo cai da nossa cabeça sem que Deus o permita. E isto inclui os carecas, como Gandhi. E se Ele sabe de cabelo, muito mais saberá de corações.
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