Para percebermos o alcance da questão pedófila na Bélgica, leia-se o artigo de Jean-Pierre Stroobants que saiu no "Le Monde" e se encontra em português no sítio do IHU (aqui), de onde copio os seguintes parágrafos.
Uma das testemunhas, doente, diz “reunir suas últimas forças” para descrever o calvário que ainda a faz sofrer, 39 anos depois. Ela tinha 6 anos e tinha de sofrer o “zim-boum-pan-pan, uma punição da qual não podia falar: era entre Jesus e nós, para entrar em comunhão com ele”.
Na verdade, oito longos anos de estupros, bolinações e exibicionismo camuflados por um homem que aos domingos brincava com os pais da vítima, confessando-lhes que seu único pecado era fumar charuto... “Era sua maneira de cativá-los e sobretudo de nos calar ainda mais: como ele parecia ter sua confiança, de que adiantaria contar para eles e fazer todos sofrerem?” Aluno em um outro internato flamengo onde também estudavam dois de seus irmãos, uma outra testemunha conta as diversas e incessantes humilhações que um professor lhe infligia: centenas de punições, de páginas a copiar, proibições de sair, e finalmente, “a revelação”: forçado a se colocar de joelhos pelo enésimo castigo no quarto do interessado. E, ali, a descoberta horrorizada do deleite sexual que esse terrível assédio causava nesse religioso.
Inúmeros depoimentos – com exceção daqueles marcados pela raiva e, às vezes, por uma rejeição completa da Igreja e das religiões – ainda mostram o sentimento de culpa das vítimas. Elas não queriam desagradar, manchar a reputação de homens vistos como intocáveis, envergonhar seus pais. Muitos foram criticados por terem escondido a verdade quando decidiram falar. Vindo de um meio pobre e sofrendo de graves carências afetivas, um jovem, estuprado por um vigário, decidiu em 1991 denunciar este último junto a um futuro bispo. Ele foi acusado de ter mentido, simplesmente porque o vigário “negava os fatos”. Estuprada por um padre aos 17 anos, uma outra vítima quis encontrar o responsável pela sua diocese. Ela voltou de lá chocada, “sobretudo religiosamente, porque não encontrei nenhuma preocupação pastoral, nenhuma consciência religiosa do drama que eu enfrentava”.
(…)
Gabriel Ringlet, padre, escritor e vice-reitor da Universidade Católica de Louvain, acredita que isso que está acontecendo hoje, na verdade é ainda mais grave do que aquilo que foi exposto pelo caso do assassino pedófilo [Dutroux]. E diz ainda que a Igreja não voltará a ser aceita pela sociedade se não abandonar seu “silêncio culpado” sobre a sexualidade de seus membros, “terreno no qual essa pedofilia pôde se desenvolver”.
Mais categórico ainda, Walter Pauli escreveu no sábado [no diário belga “De Morgen”]: “Que Roma e Malines-Bruxelas não se iludam: a Igreja da Bélgica perdeu toda sua autoridade”. O analista disse ainda: “Nem o Marquês de Sade poderia, ou ousaria, publicar um catálogo como esse de perversões sexuais, sendo que o mais grave é que tudo isso acontece dentro de uma relação de poder. E que nunca são questões de ‘parceiros’, mas sim de vítimas”.
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