As estatísticas privadas do Blogger permitem saber quais as entradas mais visitadas. Para meu espanto, no meu blogue, é a intitulada “1 de Julho de 1976. Morre Anneliese Michel, tida como possuída por uma legião de demónios” (aqui). E a seguir, mas a uma distância considerável, uma sobre ateísmo.
As questões do diabo/demónio geralmente atraem a atenção. Tal como o inferno, enquanto tema, tem mais adeptos do que o céu. Aqui há uns anos, uma paróquia promoveu uma série de conferências sobre o que acontece depois desta vida, segundo a doutrina católica tradicional: Purgatório, coisa temporária, Céu e Inferno. A sala só encheu com o Inferno.
Sobre o demónio / diabo, já aqui se tem falado, principalmente por causa do P.e Fortea e da sua “Suma Daemoniaca”. Mas gostava de esclarecer que, em termos de Evangelhos, as coisas não são bem como às vezes parecem. Ficam estes pontos, baseados em Ariel Álvares Valdés, na obra “Que sabemos da Bíblia? - IV” (Paulus).
1. Nos Evangelhos nunca se empregam os termos demónio e diabo de forma equivalente. As possessões são sempre demoníacas, nunca diabólicas. Não há um único episódio que fale de “possessão diabólica”.
2. Demónio, do grego daimonion, é do género neutro, o que indica que se trata de uma coisa e não de um ser pessoal; é um adjectivo substantivado criado para referir poderes ou forças impessoais capazes de provocar doenças.
3. Atribuem-se aos demónios as doenças que hoje diríamos de causa interna. O leproso, o paralítico, o cego não são possuídos por demónios; está à vista a causa da doença ou deficiência. Mas um mudo (Mt 9,32), um surdo (Mt 9,25) ou um epiléptico (Mt 17,14-20), sem causa exterior de doença, tinham de ter um demónio. O mesmo acontecia nos casos de loucura ou demência.
4. Isto explica que Jesus expulse “um espírito surdo e mudo”, ou seja, cura um surdo-mudo (Mt 9,31 e Mc 5,15). E que digam de João Baptista, porque jejuava: “Está com um demónio” (Mt 11,18). Ou seja: “Está louco”. E também dizem que Jesus que está possuído por um demónio. Ou seja, acham que está maluco (Jo 7,20; Jo 8,52; Jo 10,20).
5. Os conhecimentos médicos da altura fazem com que a acção curativa de Jesus se divida em “curas” (causas externas) e “expulsão de demónios” (causa internas).
6. O termo “Diabo” vem do grego “diabolos” e traduz o hebraico "Satanás", que significa “o adversário”, “o inimigo”. Não existe o termo “diabos”. Apenas “o Diabo”. E nunca se fala em possessão diabólica. Mas o Diabo surge em relação com o pecado. A sua influência é moral e psicológica. Nunca física. Actua a partir de fora. Não a partir de dentro, como se pensava que faziam os demónios. Só o Diabo é que tenta, mas não provoca doenças.
7. Jesus expulsou de Maria Madalena sete demónios (Lc 8,2), o que quer dizer que era muito doente – e não muito pecadora, como erradamente se pensa.
O que é que isto dá para os tempos de hoje? Demónios não existem. Já não precisamos dessa explicação. São como o éter. E quanto ao Diabo, sabemos bem que o mal por vezes é atractivo. Mas não é preciso personalizar e transferir para outra realidade o que depende da nossa responsabilidade e liberdade. A navalha de Ockham descarta-o. Dá também que os possessos são doentes, ainda que não conheçamos as causas de todas as doenças. Deve haver uma doença rara do foro psíquico que consiste em imitar o que se julga ser o comportamento de um possuído por um ser sobrenatural, um suposto demónio. Ou uma legião deles. Era isso que
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