Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de Setembro de 1850 — Lisboa, 7 de Julho de 1923) foi o poeta mais popular da sua geração. Estudou Teologia em Coimbra, mas não concluiu o curso, mudando para Direito.
Os seus poemas antimonárquicos contribuíram para a implantação da República. Mas se o recordo aqui é por causa do seu livro “A Velhice do Padre Eterno”, de 1885, obra que mereceu o repúdio da Igreja Católica. Um dos mais acérrimos críticos de Junqueiro foi o padre açoriano, grande apologeta que dava tudo por uma boa polémica, José Joaquim de Sena Freitas (1840-1913).
A partir de 1886, o grande sucesso de Guerra Junqueiro passou a ser publicado com um “Estudo de Camilo Castelo Branco”. O romancista defende o poeta, dizendo que não é um verdadeiro ateu, mas um crente à maneira de Voltaire. Primeiro parágrafo do estudo:
“Desde que o nervoso poeta iconoclasta Guerra Junqueiro atirou às ventanias tempestuosas da opinião pública vinte e oito sátiras com o rótulo de «Velhice do Padre Eterno», as tais ventanias, irrompendo dos odres, começaram a rugir que o poeta é… ateu! Que o dissesse a cleresia, não havia que estranhar à sua boa fé nem à sua inteligência; mas que o digam, com gestos escandalizados, uns leigos – leigos em duplicado – críticos inéditos, mas mexeriqueiros esclarecidos de leituras teutónicas, isso é que me impele a defender, sem procuração, o poeta da calúnia ateísta”.
Para ter uma ideia da obra de Junqueiro, leia-se o início do poema “O Génesis”.
Jeová, por alcunha antiga – o Padre Eterno,
Deus muitíssimo padre e muito pouco eterno,
Teve uma ideia suja, uma ideia infeliz:
Pôs-se a esgaravatar com o dedo no nariz,
Tirou desse nariz o que um nariz encerra,
Deitou isso depois cá baixo, e fez-se a terra.
Em seguida tirou da cabeça o chapéu,
Pô-lo em cima da terra, e zás, formou o céu.
Mas o chapéu azul do Padre-Omnipotente
Era um velho penante, um penante indecente,
Já muito carcomido e muito esburacado,
E eis aí porque o céu ficou todo estrelado.
O poema termina com o Padre Eterno a descansar após a criação de Adão. O último verso é este, redito por Saramago durante a polémica do lançamento de “Caim”:
E até hoje, que eu saiba, inda não fez mais nada.
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