Anselmo Borges escreve no DN de hoje, apoiando-se nas palavras do teólogo galego Torres Queiruga, que “a exigência moral não nasce de facto de se ser crente ou ateu, mas «da condição simplesmente humana de querer ser pessoa autêntica e cabal»”. Se assim é, impõe-se a consequência: “Se se pensar a sério e desde que ambos queiram ser honestos, «não existe nada que a nível moral deva fazer um crente e não um ateu» (o seu desacordo em muitas opções será, em rigor de termos, por motivos morais e não propriamente religiosos)”.
É curioso o inciso “desde que ambos queiram ser honestos”. Qual deles poder ser mais honesto, o crente ou o ateu? Ser crente ou ateu tem alguma coisa a ver com honestidade? Crer em Deus influência a honestidade? Na linha do raciocínio do texto, crer em Deus não terá nada a ver com a honestidade, como não tem a ver com a moralidade.
Porém, no final, Anselmo Borges cita Max Horkheimer, entrando em contradição com o pensamento anteriormente exposto: “É inútil pretender salvar um sentido incondicional sem Deus. A morte de Deus é também a morte da verdade eterna”. “Do ponto de vista do positivismo, não é possível desenvolver uma política moral. A partir da perspectiva meramente científica, o ódio não é pior do que o amor. Não há nenhum raciocínio logicamente concludente para que eu não deva odiar, se isso me não trouxer nenhuma desvantagem social. Como pode argumentar-se com rigor que eu não devo odiar, se isso me divertir? O positivismo não encontra nenhuma instância transcendente aos homens que distinga entre o altruísmo e o afã de lucro, entre bondade e crueldade, entre egoísmo e autodoação. Todos os intentos de fundamentar a moral na prudência terrena em vez de na referência a um além... apoiam-se em ilusões harmonizadoras. Tudo o que tem a ver com moral assenta em última instância na teologia”. É certo que Horkheimer fala de positivismo. Mas, na realidade, o positivismo está no mesmo ponto que muitas outras correntes não teístas. Exceptuando as correntes cristãs (tomismo, personalismo, humanismo cristão…), hoje claramente na mó de baixo nas faculdades europeias, que correntes pressupõem Deus? Deus não existe nas faculdades de Filosofia. E em Portugal a Teologia é toda confessional. Há uns cursos de Ciências das Religiões. Mas não de Teologia.
Com estas ausências, o serviço à moral, à política, ao sentido fica claramente coxo. Deus é preciso. Podem defender que não. Mas sem Deus, tudo se desmorona. É uma questão de tempo.
Há dias (07 de Maio de 2010), José Manuel Fernandes escrevia no “Público”: “Pouco tempo antes da morte de João Paulo II, numa conferência na Escola de Cultura Católica de Santa Croce, em Bassano, o ainda cardeal Ratzinger propôs a inversão do axioma dos iluministas de acordo com o qual era possível definir as normas morais essenciais etsi Deus non daretur, como se Deus não existisse, para passar a propor que «mesmo aqueles que não conseguem encontrar o caminho da aceitação de Deus deveriam procurar viver e orientar a sua vida veluti si Deus daretus, como se Deus existisse». Lembrou então que esse fora o conselho de Pascal aos seus amigos não-crentes, considerando que, assim, "ninguém fica limitado na sua liberdade, mas todas as nossas coisas encontram o apoio e o critério de que têm urgente necessidade".
Para o bem da moral, do sentido, da política, enfim, da vida da humanidade, não chega um humanismo sem Deus. O horror ao vácuo nunca foi tão verdadeiro. Deus tem de estar lá. A alternativa não é sermos mais homens e mulheres, como diziam os velhos ateísmos. A alternativa é não sermos nada, depois de sermos menos do que os animais. O luxo de prescindir de Deus é uma tragédia.
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