D. Carlos Azevedo continua a reflexão sobre a Igreja e a I República no "Correio da Manhã". O primeiro texto pode ser lido aqui.
Igreja republicana
Em 1910, Portugal era habitado por cerca de seis milhões de pessoas, que na grande maioria se consideravam católicas. O processo de implantação da República incluiu uma questão religiosa que parece contrastar com este dado. A relevância da questão religiosa situa-se em terreno ideológico e alia-se a problemas sociais.
Acentuava-se o debate acerca do estatuto do Estado. A laicização era objectivo e instrumento. Concretizava-se na defesa do regime de separação, na adopção do registo civil; nas áreas da família, como o direito ao divórcio; no campo da educação, pela supressão de referências à religião ou à Igreja Católica. Tratava-se de uma disputa sobre a influência da Igreja na sociedade, isto é, sobre a regeneração social e política do país, patente na geração de 70. Esta geração via na Igreja Católica um elemento contribuinte para a decadência nacional. Neste âmbito, a religião era ultrapassada, porque incapaz de progresso. Daí que a problemática religiosa fosse central no debate político e cultural. Outros consideravam a Igreja capaz de contribuir para a desejada regeneração. A dita "separação à portuguesa" implicava a imitação habitual do que França realizava!
O 5 de Outubro uniu facções radicais, independentemente da visão proposta para os problemas nacionais, o que provocaria enorme desordem na governação. A recente República contou com a parceria de vasta e activa campanha anti-religiosa. Os carbonários puseram em movimento uma caça ao "jesuíta" e ao "talassa". As frentes variavam entre assaltos, fogos, saques a casas religiosas e a igrejas. Organizações católicas foram assaltadas, padres e religiosos espancados. Alguns foram presos e sujeitos a interrogatórios.
Após desacatos soltos, o governo provisório entrou em furor legislativo com o intuito, declarado por Afonso Costa, de acabar com a religião no espaço de duas gerações. Medidas laicistas e anticlericais não faltaram. O país não reagiu. Juntaram-se as decisões administrativas como o encerramento de sedes e órgãos de imprensa de organizações católicas. Tudo isto não podia deixar os bispos insensíveis. Surge a Carta Pastoral Colectiva. Expunha serenamente a doutrina sobre o problema religioso. Insurgiam-se contra a expropriação da Igreja, contra o desrespeito da autonomia eclesiástica em assuntos religiosos. O Governo, em atitude de despotismo, proibiu a sua leitura. O governo provisório queria ou uma igreja republicana, dominada pelo Estado, ou nada. Quando um governo teme a liberdade está para morrer.
D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa
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