“O primeiro dia da escola. A saca às costas, caminhei ao lado da minha mãe, cheia de curiosidade e de receios. O sr. Brand, o professor, distribuía sorrisos animadores aos meninos, que o fitavam com desconfiança. A barba grisalha e o colarinho engomado davam-lhe um ar de austeridade, mas os olhos alegres protestavam contra tal impressão. Começou por nos falar, e doseava serenidade com humor para afugentar os nossos medos.
De todas as escolas por que passei, a de que verdadeiramente gostei foi a escola primária. Quando o sr. Brand tomou nota do meu nome ninguém se virou para mim com sorrizinhos por soar a judaico, ninguém achou estranho eu responder «Israelita» à pergunta do sr. Brand à minha religião. Fora a mãe que me recomendara: «Quando o sr. Brand te perguntar pela religião, diz-lhe que és israelita. Soa melhor do que judia». Eu não concordava, porque achava «israelita» uma palavra estranha que não parecia pertencer à minha língua e, por isso, corei de embaraço ao pronunciá-la. E quando o sr. Brand quis saber a profissão do meu pai respondi «negociante de cavalos». Coisa natural. Muitos alunos eram filhos de lavradores e conheciam o meu pai. Não me sentia envergonhada daquilo que eu e o meu pai éramos, como aconteceria mais tarde, no liceu, quando a minha mãe me recomendou que às perguntas respondesse, além de «sou israelita», que o meu pai era «comerciante».
Ilse Losa. Excerto de “O mundo em que vivi” (Ed. Afrontamento, original de 1949)
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