Quando Saramago ouve uma crítica, puxa logo pelas fogueiras da Inquisição. Diz que se “ardessem fogueiras em S. Domingos” talvez não tivesse escrito “Caim” (aqui; na imagem, um auto de fé, não em S. Domingos, mas no Terreiro do Paço).
Naturalmente, cada um pode falar do que quiser. E tanto o escritor pode falar de Deus e da Bíblia, como os outros podem criticar o que ele diz sobre Deus, a Bíblia ou o que quer que seja. E pode invocar a Inquisição. É assim a liberdade de expressão, que é também uma liberdade de dizer asneiras. E de esperar que haja quem se manifeste quando as ouve. De parte a parte.
Julgo que até agora só criticaram o que Saramago disse e não o facto de o dizer, que, esse sim, enquanto direito, é sagrado. E para criticar o que ele diz não é preciso ler o livro, ao contrário do que ontem afirmou em conferência de imprensa. Para criticar um livro, sim. E nem sempre. Mas poucos têm criticado o livro. Muitos mais o que ele diz, que é o que está em questão.
Mas eu sugeria um pacto, retomando uma ideia de Rui Tavares, nas páginas do Público, por alturas do referendo ao aborto. Dizia o colunista que, numa discussão sobre o aborto, o primeiro a invocar o nazismo perde (abstraiamo-nos do facto de, normalmente, serem apenas os que defendem a vida humana desde a concepção que invocam o triste argumento do nazismo, pelo que o pacto é tendencialmente anti-anti-aborto).
Proponho o pacto: numa discussão sobre Deus, religião, Bíblia, liberdade religiosa, de expressão e afins, o primeiro que invoca a Inquisição perde. Este pacto é mais igualitário, porque a ambos os lados da discussão pode dar jeito invocar a Inquisição. Não quer dizer que não se possa falar da Inquisição, claro que sim. Se o tema é Inquisição, fale-se de Inquisição. Mas se a discussão é outra, apelar à Inquisição é apelar à irracionalidade e à provocação gratuita. É um argumento de desespero.
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