sábado, 3 de outubro de 2009

Anselmo, os cristãos e a crise

Anselmo Borges, no DN de hoje, escreve:

“Frente a este título, temos, logo à partida, de reconhecer que é nos países de maioria cristã que estão os responsáveis maiores pela crise. Não foi no hemisfério Norte que começou? Por outro lado, é na Europa que se encontra hoje o melhor nível de vida da história, e o modelo social europeu é invejado. Mas há uma pergunta, aparentemente cínica, para a qual não é fácil encontrar resposta definitiva: somos ricos à custa do Terceiro Mundo? Eles são pobres porque nós somos ricos?”

O texto pode ser lido aqui.

Um ou dois comentários. Por vezes espanta-me que o padre da Sociedade Boa-Nova pareça ignorar que o dito sistema capitalista tenha mais de social do que os anti-neoliberais fazem crer, basta pensarmos nas férias, no subsídio na doença, no apoio no desemprego, na maternidade… Talvez aluda a isso quando refere a inveja pelo modelo social europeu. Mas depois faz afirmações anti-liberais que, de alguma forma, me assustam.

As perguntas “Somos ricos à custa do Terceiro Mundo? Eles são pobres porque nós somos ricos?” não são cínicas. São ignorantes. No sistema capitalista (melhor: de mercado aberto ou de livre mercado), todos podem ser ricos. Ou pelo menos remediados. E o sistema, se permite criar ricos, não obriga a que sejam ricos, nem impede que sejam solidários, quer se trate de pessoas, instituições, povos ou países.

Para todos serem ricos, é preciso haver condições básicas de estabilidade (que nenhum país pode impor ao outro), liberdade, esforço e criatividade. O sistema capitalista foi capaz de reunir essas condições – ou de surgir nessas condições. O país que as reúne, no espaço de uma ou duas gerações, fica rico ou pelo menos sai do subdesenvolvimento. A conjugação de liberdade económica com liberdade religiosa com liberdade política mais liberdade de expressão e de associação é uma fórmula de sucesso. Infelizmente, mesmo entre teólogos há quem não queira entender isto.

Por outro lado, a economia de mercado não é um jogo de soma nula, em que se um tem, o outro não tem. É um jogo em que um tem e o outro pode ter mais, mas todos podem ter. Até o Banco dos Pobres e o microcrédito funcionam nesta lógica. É preciso é crédito e trabalho, e não solidariedade inconsequente ou subsídios.

Sem dúvida que a solidariedade é necessária, entre pessoas, entre instituições, entre países, mas é preciso ser bem feita. E não me parece que o liberalismo regrado (e com valores) esteja errado. Parece-me, aliás, que é o único sistema económico que funciona. Só ele cria riqueza sustentável. E é, por muito que não se goste, um fruto do cristianismo. Esta “religião” vê a criatividade como dom de Deus e a liberdade como característica dos filhos de Deus. Julgo que só nela poderia surgir a economia de mercado, que é a economia da liberdade e da criatividade. E por isso só ela, sociedade cristã, enriqueceu. Foi nos países cristãos que apareceu o capitalismo, tal como a ciência moderna, tal como a solidariedade trans-nacional. É claro que as crises económicas só podem surgir onde há economia florescente. Quem está na pobreza nunca tem crises. Está sempre em crise. E também é claro que boa parte da crise acontece por falta de valores morais. Mas esses, como reconhece Anselmo Borges, só podem ser assumidos por pessoas. Ou seja, não é o sistema económico que produz riqueza que está errado, embora possa ter regras erradas e pessoas que subvertem as regras. No essencial, são as pessoas que estão erradas. Não vejo como será possível um sistema que não possa ser subvertido pelas pessoas. A não ser que estas passem a ser autómatos.

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