quinta-feira, 20 de agosto de 2009

São Bernardo e as imagens medievais

Capitel na Igreja de St.a Maria Laach, Alemanha, séc. XI

A propósito do dia da morte de Bernardo de Claraval, recordo uma página dos “Apocalípticos e Integrados”, de Umberto Eco (páginas 40-42 da edição portuguesa da Difel).

O abade Suger (1081-1151), prior de Saint-Denis, mestre-de-obras da arquitectura gótica, é claramente um “integrado”. Bernardo é um “apocalíptico”, mas só nos termos de hoje, porque “o modelo cultural medieval era tão orgânico e integrado que Bernardo, obviamente, não podia comportar-se de outro modo (…)”.

O texto de Eco: “Num contexto histórico em que – estando uma classe dirigente na posse dos instrumentos culturais, e as classes subalternas excluídas na sua maioria do exercício da escrita – a única possibilidade de educar as massas era mediante a tradução por imagens dos conteúdos oficiais da cultura, Suger tinha feito seu o programa do Sínodo de Arras, resumido por Honório de Autun na fórmula: «Pictura est laicorum literatura».

O programa de Suger é conhecido: a catedral devia tornar-se uma espécie de imenso livro de pedra em que não só a riqueza dos ouros e das pedras preciosas induzisse no fiel sentimentos de devoção, e as cascatas de luz das paredes abertas sugerissem a efusividade participante de potência divina, mas também as esculturas dos portais, os relevos dos capitéis, as imagens dos vitrais comunicassem ao fiel os mistérios da fé, a ordem dos fenómenos naturais, as hierarquias das artes e dos ofícios, os acontecimentos da história pátria.

Perante este programa, São Bernardo, partidário de uma arquitetura despojada e rigorosa, em que a sugestão mística seja dada pela nudez límpida da casa de Deus, explode numa descrição acusatória, que põe a ridículo as monstruosas eflorescências iconográficas: «Caeterum in claustris coram legentibus fratribus, quid facit ridicula monstruositas, mira quaedam deformis formositas ac formosa deformitas? Quid ibi immundae simiae? quid feri leones? quid monstruosi centauri? quid semihomines? quid maculosae tigrides? quid milites pugnantes? quid venatores tubicinantes? Videas sub uno capite multa corpora, et rursus in uno corpore capita multa. Cernitur hinc in quadrupede cauda serpentis, illinc in pisce caput quadrupedis. Ibi bestia praefert equum, capra trahens retro dimidiam; hic carnutum animal equum gestat pasterius. Tam multa denique tamque mira diversarum formarum ubique varietas apparet, ut magis legere libeat in marmoribus quam in codicibus, totumque diem occupare singula ista mirando quam in lege Dei meditando. Proh Deo! Si non pudet ineptiarum, cur vel non piget expensarum?»"

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