Primeira das histórias de João XXIII contadas por Hannah Arendt. E esta tem tudo a ver com a doutrina social da Igreja.
“(…) Nem mesmo a encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, «o grande papa do povo trabalhador», impedia o Vaticano de pagar salários de fome aos seus empregados. O hábito desconcertante que o novo papa tinha de conversar com toda a gente chamou quase de imediato a sua atenção para este escândalo.
Segundo Alden Hatch, ele terá perguntado a um trabalhador: «Então, como vai isso?» «Vai mal, vai mal, Vossa Eminência», respondeu o homem, dizendo-lhe quanto ganhava e quantas bocas tinha para alimentar. «Temos que tratar disso. É que aqui entre nós, eu não sou Vossa Eminência, sou o Papa», ou seja, deixe lá os títulos, sou quem manda aqui e posso mudar as coisas. Quando, mais tarde, lhe disseram que só cortando nas obras de caridade poderia prover a um aumento das despesas, ficou imperturbável: «Então é o que teremos de fazer. Porque… a justiça está antes da caridade».
Hannah Arendt, “Homens em tempos sombrios” (ed. Relógio d’Água)