sábado, 10 de novembro de 2012

Anselmo Borges: Diálogos de Coimbra na Joanina

Artigo de Anselmo Borges no DN de hoje.
Sorver cultura. Um dos tetos da Joanina

A Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, um templo de rara beleza ao Livro, foi, no ano lectivo transacto, palco para três diálogos sobre as raízes da Europa. A iniciativa partiu do Padre Nuno Santos, Director do Instituto Universitário Justiça e Paz, e os intervenientes foram o biblista Virgílio Antunes, bispo de Coimbra, e três eminentes professores: o penalista José de Faria Costa, da Faculdade de Direito, o historiador Fernando Catroga, da Faculdade de Letras, o físico Carlos Fiolhais, da Faculdade de Ciências e Tecnologia. Moderou o jornalista Manuel Vilas-Boas, da TSF.

Todos estiveram de acordo na afirmação de que a Europa tem três heranças fundamentais: Atenas, Jerusalém e Roma, sugerindo alguém um quarto fundamento: o vitalismo bárbaro, a partir do Norte.

O primeiro diálogo teve como linha de orientação "Razão. Pessoa. Direito". Aí está a convergência entre Atenas e Jerusalém: o Evangelho segundo São João inaugura-se com a afirmação: "No princípio era o Logos, a Palavra, a Razão, e tudo foi criado pelo Logos". A criação pelo Logos diz que o mundo é racional e, por isso, racionalmente investigável. Como ninguém põe em causa que o cristianismo foi decisivo na descoberta da pessoa, do seu valor e dignidade. A herança de Roma é o Direito.

Partindo do espaço escolhido para o debate, Faria Costa sublinhou a importância da perspectiva, que impõe colocar-se no ponto de vista do outro: "ser pessoa é estar dentro e fora, em simultâneo, procurar a interioridade e a exterioridade." Não existe sociedade sem Direito. Somos seres morais, respondendo perante o outro, "humilde- mente e independentemente da sua condição: pobre ou rico, velho ou novo". E somo-lo, independentemente do Transcendente, "por muito que esse Transcendente seja a mais bela forma de dizer o indizível".

O bispo Virgílio Antunes concorda, sublinhando que "numa leitura cristã, que enforma a cultura que somos, quando entra em crise uma destas variáveis - Razão, Pessoa, Direito - fica em causa a construção da pessoa humana". Mas quis acrescentar um novo elemento: a fé - porque a razão não esgota o Mistério -, que permite "a superação da lei pela liberdade e pelo amor". Sem liberdade, justiça e amor, não há construção da dignidade da pessoa, numa sociedade justa e fraterna.

No segundo diálogo, o tema era: "Natureza. História. Identidades". De Atenas herdámos a natureza, a physis. A História é uma herança essencialmente bíblica. As identidades constroem-se na confluência de natureza e história.

O homem teve sempre "uma relação umbilical com a natureza", que se impunha como grande modelo interpretativo do sentido, começou por sublinhar Fernando Catroga. A consciência histórica, herança fundamental da religião judaico-cristã, é, na luta do homem pela memória e contra o esquecimento, um conceito essencialmente moderno, que dá sentido à vida colectiva. As identidades "hoje herdam-se, constroem-se e estão sujeitas a movimentos históricos, numa pluralização de sentidos de pertença".

O bispo pôs o acento na História, lugar de revelação e salvação, não permitindo que Deus seja confundido com a natureza, sua criação. E pensa que há na Europa o esquecimento da herança judaico-cristã, que explica, pelo menos em parte, o vazio em que se vive actualmente, "numa profunda crise de identidade, sem referências, como órfãos que não conhecem os pais nem sabem donde vêm e que perderam os critérios de procura e conhecimento da verdade."

"Acaso. Criação. Sentido" foi o último tema. O universo não se rege só pelo acaso ou pela necessidade, mas por um e outro, e mostra-se probabilístico. Carlos Fiolhais afirmou que a ciência e a religião não são incompatíveis. Se houve tempos de conflito, não é esse hoje o caso, havendo inclusive grandes cientistas que são crentes. O bispo confirmou: a Bíblia não é um livro científico, mas religioso. O homem é só um e aproxima-se da realidade de modos diversos e com métodos diferentes.

Só o homem tem o sentido do mistério. Há sentido na compreensão científica do mundo e na sua unificação, mas o crente religioso espera mais: uma palavra definitiva de salvação sobre a História.

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