quarta-feira, 18 de julho de 2012

D 04 - Mais uns apontamentos sobre o diabo. Inclui uma fotografia dele


Um defensor da DTDD (doutrina tradicional do diabo e dos demónios) coloca três questões que entendo responder para todos os que passam por este lados, em vez de me limitar a uma resposta nos comentários.


As perguntas são:
a) o Diabo existe?
b) o Diabo pode exercer efeitos negativos sobre o ser humano, até ao cúmulo da possessão?
c) a Igreja tem poder para o evitar ou remediar?

a) o Diabo existe?

Sinceramente, creio que não existe. Há motivos para o sim e para o não. Julgo que há mais e mais fortes para o não (dados bíblicos, dados da história, da psicologia, da antropologia cultural e da teologia), entendendo "existir" no sentido mais comum que esta palavra tem. Existe como símbolo do mal, como personificação simbólica. Não existe como ser pessoal, como “anjo caído”. De qualquer forma, o tema é secundário na fé cristã-católica. A Congregação para a Doutrina da Fé afirma o seguinte e julgo que não deixa grande espaço para dúvidas sobre a pouca pertinência da questão: “É verdade que ao longo dos séculos a existência de Satanás e dos demónios nunca foi objeto de uma afirmação explícita do seu magistério”.

O mal existe? Sem dúvida. Mas não vejo porque tem de existir o diabo para explicar a questão do mal. Só complica. E soa a desculpa irresponsável.

b) o Diabo pode exercer efeitos negativos sobre o ser humano, até ao cúmulo da possessão?

Mesmo que exista, sendo sobrenatural, não possui ninguém. Não há casos de chamadas possessões que não sejam explicados por outras razões (culturais, médicas, psicológicas, histeria, sugestões, superstições, obsessões, síndromas, alucinações, paranoia, etc. etc. e, claro, embustes). Diz o velho princípio que não devemos invocar razões mais complicadas quando os fenómenos são explicáveis por razões mais simples.  

Quem diz que há possessões, apresente-as. O apelo tem sido infrutífero. A resposta de alguns que nos comentários têm defendido a teologia tradicional do diabo, incluindo as possessões, é zero. Mesmo os casos históricos clássicos (Ursulinas de Loudun, por exemplo) e aparentemente misteriosos por o possuído falar corretamente línguas desconhecidas são hoje explicados sem qualquer recurso ao sobrenatural.

O mal tem efeitos negativos sobre o ser humano? Claro. Mas essa é outra questão.

c) a Igreja tem poder para o evitar ou remediar?

Reformulo: a Igreja tem poder para o evitar ou remediar o mal?

A igreja, na sua própria identidade, na sua génese e finalidade, é sacramental, sinal de salvação. E salvação é, claro, contra o mal, todo o mal. Tem sacramentos dados por Cristo, e, como uma espécie de apêndice - alguns dizem que são uma espécie de placebos espirituais -  tem bênçãos e exorcismos, porque a história pesa e por razões de eficácia pastoral. No seu cuidado pastoral para com as pessoas que pensam que estão sob influência do demónio, os exorcismos têm efeito positivo, ainda que muito relativo. Por outro lado, alguns teólogos vêm os exorcismos como um prolongamento da reconciliação (com o próprio; com ou outros e a igreja; com Deus). Têm a ver com o mal, sim, que antes era concebido em íntima ligação ao diabo.

Os relatos de possessões disponíveis, de pessoas sérias, são geralmente relatos dos exorcistas, obviamente interessados, e, em si, os relatos, são pouco sérios. Não se encontram relatos isentos. Ou pelo menos eu não consigo ter acesso a eles (de observadores críticos, por exemplo). Em muitos casos – estou a pensar em relatos de P.e Amorth – os exorcistas passam dezenas de sessões a convencer os pacientes (chamemos-lhes assim) de que têm o demónio (embora não reconheçam que fazem isso) para depois expulsá-lo. Mais do que possessões, há obsessões das pessoas que vão aos exorcistas e dos próprios exorcistas. Não está em causa a santidade ou não dos exorcistas nem o efeito benéfico dos seus gestos. Está, sim, a verdade do que fazem.

Por outro lado, os exorcismos são algo tão reservado, com tantas reticências, com licenças superiores e tão historicamente contextualizados (parece que a tipologia das chamadas possessões muda consoante muda a história humana; e felizmente o fogo já deixou de ser um procedimento comum para lidar com pessoas que lidavam com o diabo) que podemos dizer estão em regressão. Mas parece que ao longo da história há fases de maior e menor atividade demoníaca, correlacionáveis com determinados ambientes culturais, o que é estranho. Digamos que o demónio é muito tentado pela mente humana.

Contudo, não me admirarei se a Igreja um dia destes reformular ou suprimir o ritual, não devendo deixar de atender com amor as pessoas que se dizem tentadas ou possuídas pelo demónio. Geralmente não são pessoas más. São pessoas frágeis, muito mais mulheres do que homens. E precisam de cura para essa fragilidade.

É basicamente isto que eu penso, mas não é só isto. Ah, a fotografia do diabo:



77 comentários:

Unknown disse...

Jorge. Talvez alguém possa referir que não há relatos de possessões nem exorcismos em culturas religiosas (e ambientais) em que não se acredita em demónios. Oops. Acabei por o referir.

Fernando d'Costa

Anónimo disse...

O mal, em teoria, não existe, é uma ausência do bem.
Por outro lado, em boa semântica, deus e diabo não são antónimos: o antónimo de diabo (diabolos) é símbolo (symbolos. Diabo é tudo o que dispersa e símbolo tudo o que une.

Jorge Pires Ferreira disse...

Fernando, concordo consigo. Os paradoxos disso mesmo são:

a) os ateus estão mais bem preparados para lidar com o demónio porque que não são por eles tentados e ainda menos(!) possuídos;

b) a provar-se uma possessão, tratando-se de um ser sobrenatural que faz as possessões, teríamos uma prova da existência de seres sobrenaturais e, por extensão, de Deus. Teríamos então que o ser maléfico provaria a existência de Deus. Então o ser maléfico seria benéfico. Contradição. E não sei se Deus gostaria de ser sabido (em vez de acreditado) com base em provas deste género.

Quanto ao que disse o anónimo, concordo, como, aliás, está escrito aqui:

http://tribodejacob.blogspot.pt/2012/06/bertone-e-o-diabo.html

Unknown disse...

Jorge. Contacte o professor Mário Simões, do Hospital de Santa Maria em Lisboa (não tenho o seu contacto) e ele dir-lhe-á quantas pessoas "processas e último grau" ele tratou sem recurso, sequer, a medicamentos. Acredito mesmo que muitas pessoas acabam por ser exorcizadas pela Igreja, e mesmo depois de todo o processo canónico prévio, porque passam pelas mãos de médicos (psiquiatras inclusive) sem preparação para lidar com esses assuntos.

Fernando d'Costa

Bernardo Motta disse...

Jorge,

Obrigado pelo gesto de fazer um "post" das minhas questões, pese embora que as tenha respondido com muito pouca profundidade e sustento documental.

Por exemplo, eu teria agradecido que nos desse a fonte da única citação deste seu "post":

"A Congregação para a Doutrina da Fé afirma o seguinte e julgo que não deixa grande espaço para dúvidas sobre a pouca pertinência da questão: “É verdade que ao longo dos séculos a existência de Satanás e dos demónios nunca foi objeto de uma afirmação explícita do seu magistério”."

Mantenho que a crença na existência do Diabo e dos demónios é matéria de fé e de doutrina católica, não é optativa, e volto a frisar que eu aqui já referi as seguintes fontes, nada exaustivas nesta matéria, porque há muitas mais:

- Sagradas Escrituras, em particular os exorcismos feitos por Jesus Cristo (são pelo menos sete, só com base nos sinópticos); escuso de ir buscar os trechos, certo? todos os conhecemos, certo?
- Catecismo da Igreja Católica (Parte I, Secção 2, Capítulo 1, parágrafos 391 a 395, em http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p1s2c1_198-421_po.html)
- Concílio de Latrão IV (logo no Cânone 1, ver aqui: http://www.fordham.edu/halsall/basis/lateran4.asp)
- Concílio de Trento (Sessão V, com direito a anátema e tudo, ver: http://history.hanover.edu/texts/trent/ct05.html)
- Suma Teológica, a obra do maior teólogo da cristandade (Primeira Parte, Questões 50 a 64)

O Jorge responde a tudo isto com uma citação da Congregação para a Doutrina da Fé, e nem se dá ao trabalho de a identificar?

Por favor...
Pergunta: está a gozar connosco?

Você escreve, acerca da minha pergunta sobre a existência do Diabo:

"Sinceramente, creio que não existe."

Que você esteja a ser sincero, não discuto. E, se quer que lhe diga, apesar de ter pena, não posso fazer grande coisa se você insiste neste erro e se sente bem na mixórdia da heterodoxia.

O que eu acho particularmente grave é que você procure propagar o erro de que, de alguma forma, esta questão da existência do Diabo é uma questão optativa, ou que se pode ser católico e negar a existência do Diabo.

Não pode.
Ponto final.

Não brinque, por favor, com coisas sérias.
Seja responsável.

Está no seu direito de seguir a via do erro, mas não propague esse erro aos demais. Há muita gente que o lê, e essas pessoas merecem saber a verdade objectiva: um católico não pode (em coerência) negar a existência do Diabo.

Um abraço,

Bernardo Motta

Jorge Pires Ferreira disse...

Lá vem você com Latrão. Sabe o que saiu de Latrão, não sabe? Justificação para séculos de horror, de caça aos hereges, às bruxas aos que faziam pactos com o demónio... Tudo dentro do espírito da época, sim, com Bernardo, o outro, a exorcizar as moscas, Lutero a atirar o tinteiro ao diabo, Lutero e ver o diabo no Papa e os católicos a verem-no nos reformadores, mas, a partir de Latrão, com justificação teológica. Erro não foi Latrão no seu tempo. Erro é insistir em Latrão nos tempos de hoje.

Quanto à Suma, d'Costa respondeu.

Quanto a Trento, ainda não cheguei lá nos meus estudos pessoais sobre esta questão, mas o que disse de Lutero já deve dar para ver como era o espírito da época, pejado de demónios por todo o lado. E com fogueiras para iluminar as consciências descrentes.

"Seja responsável", digo-lhe eu. Se há possessões, mostre-me uma.

Em rigor, não nego a existência do diabo. Digo simplesmente que não acredito que exista e que a fé católica não me obriga a acreditar nele. Como mal a história é outra.

Quando à citação foi retirada do documento da CDF sobre fé e demonologia.

Anónimo disse...

Achei uma bela imagem que mostra que os exorcismos são bem reais:

http://sdmblog.files.wordpress.com/2008/11/exorcismo_animal.jpg?w=450&h=337

E agora, que tem a dizer disto o autor este blog?

Bernardo Motta disse...

Caro Jorge,


Trocando o seu último comentário por miúdos, para que o leitor comum o entenda, o Jorge está a sugerir o quê?

a) devemos mandar todo o Latrão IV pela borda fora?

b) devemos mandar parte de Latrão IV pela borda fora?

No caso b), exactamente que parte de Latrão IV é que o Jorge aprova, e que parte é que acha que devemos abandonar?

Outra questão: devemos abandonar todo ou parte do Concílio Latrão IV porque desse modo é menos um argumento contra a sua posição? É se que quiser, e você sabe, é só darmos um saltinho à patrística, e em três tempos, o Jorge está soterrado de citações da patrística (grega ou latina, é só escolher) em defesa da existência REAL do Diabo e dos demónios. Os textos dos padres do Deserto estão repletos de relatos de situações concretas de tentação demoníaca. Coisas para meter os seus cabelos "modernos" em pé. Coisas para virar do avesso a sua noção peculiar de Ciência.

O seu atrevimento não tem limites: quando eu cito Latrão IV contra o seu erro, você contesta Latrão IV? Foi isto mesmo que acabou de acontecer aqui, certo?

"Quando à citação foi retirada do documento da CDF sobre fé e demonologia."

Pode agraciar-nos com a dádiva de uma citação? Um título e data do documento?

Obrigado!

Um abraço,

Bernardo

Jorge Pires Ferreira disse...

Bernardo, vá ver o que diz Latrão IV, 1215. Se concordar que os judeus devem andar com uma marca, então, sim aceite Latrão todo (mas há muito mais) e seja coerente com Latrão IV. Todo.

Anónimo disse...

Mas quem é que se reporta, sem querer fazer uma hermenêutica contextualizada, os padres da Igreja? Que sabiam eles do que nós sabemos hoje sobre tantos e tantos distúrbios psíquicos? Chamavam demónio ao que viviam pois não tinham palavras para lhe chamarem outras coisas. Ou será que, por exemplo os padres do deserto, escreveram que lutaram contra o demónio se pode inferir que há um demónio? Os mesmos também dizem que lutaram com monstros meio-humanos, meio-animais. Será que eles também existem?

Jorge Pires Ferreira disse...

Diz o Bernardo:

“Os textos dos padres do Deserto estão repletos de relatos de situações concretas de tentação demoníaca. Coisas para meter os seus cabelos "modernos" em pé. Coisas para virar do avesso a sua noção peculiar de Ciência”.

É este precisamente um motivo, entre outros, para não acreditar no diabo/demónio e procurar outras explicações. Coisas tão inverosímeis, tão fantasiosas, tão miraculosas, tão fantásticas e tão irrepetíveis e por vezes tão pouco cristãs… como acreditar nelas? O exemplo de Bernardo a exorcizar moscas, histórico, é só um, ainda que Bernardo de Claraval não seja Padre da Igreja… Demónios acorrentados pela trela, a terem relações sexuais com homens e mulheres, a transportarem o esperma para outros úteros, a voarem… Se o Bernardo acredita nisto, começo a temer pela sua saúde mental. E dou graças a Deus pelo meu saudável adiabismo (paralelo de ateísmo, mas em relação ao diabo).

Mas fica por responder: Aceita Latrão IV todo? Se aceita, defende que os judeus devem andar marcados? Se aceita, defende que os padres sejam proibidos de ir à caça? Conheço alguns que vão; e outros vão fazer motocross. Se não aceita Latrão todo, deixa de ser católico?

Bernardo Motta disse...

Jorge,

Tenho alguma ginástica, e vejo onde me quer levar com a sua estratégia (que para mim, permanece injustificável num cristão).

Eu sei, e você também sabe (o que fala rios sobre a sua estratégia), que um católico deve seguir o Magistério, quando este fala na sua esfera de competência.

Quando eu refiro as várias fontes (e você só implicou com Latrão IV) em defesa da posição católica, você vem implicar com conteúdo não magisterial de Latrão IV.

O conteúdo magisterial é o que diz respeito a questões de doutrina e questões de moral.

Você sabe isso.
Você sabe que todo o católico tem que aceitar toda a doutrina e toda a moral defendida em sede conciliar, incluindo Latrão IV, um concílio legítimo.

Você sabe que um católico pode concordar ou discordar de outras decisões conciliares (como decisões jurídicas ou políticas) fora do âmbito doutrinal ou moral.

Porque é que anda, então, a bricar connosco?

Peço de novo, encarecidamente: seja sério.

Obrigado!

Um abraço

Jorge Pires Ferreira disse...

Ah, então já não é todo.

Não foi o Bernardo que perguntou:

a) devemos mandar todo o Latrão IV pela borda fora?

b) devemos mandar parte de Latrão IV pela borda fora?


A seriedade, nestas questões é, como sugeriu um comentador, fazer a hermenêutica das afirmações, incluindo os concílios.

Já lhe sugeri há tempos que refletisse sobre o tema "história dos dogmas", ou "evolução dos dogmas". Não está a fazer o trabalho de casa...

Bernardo Motta disse...

Jorge,

A pergunta que eu fiz mantém-se.
Deixe-me, então, resolver já a questão que o atormenta (não atormenta nada, está é na palhaçada comigo)...

Estamos a debater a existência do Diabo, certo?
Essa existência é tema de política da Igreja? Não.
É teima de justiça eclesiástica (canónica)? Não.
É tema de gestão económica da Igreja? Não.

É tema de doutrina da fé?
Claro que é!
Assim, deixe-me tornar as coisas claras como a água, para que o Jorge possa agora, talvez, se calhar, interagir com seriedade com as minhas questões:

Face ao conteúdo magisterial de Latrão IV, ou seja, conteúdo de doutrina da fé, e de moral (de costumes), que devemos fazer?

a) devemos mandar todo o Latrão IV pela borda fora?

b) devemos mandar parte de Latrão IV pela borda fora?

Espero que assim esteja já em condições de responder, e podemos assim saltar os jogos florais e as manobras de diversão, e ir directo ao miolo da questão curiosa que o Jorge levanta, a saber, da possibilidade exótica de se ser católico e rejeitar a existência do Diabo...

Pode, por favor, arranjar algum fundamento para essa pretensão exótica?
Sei que é um homem ocupado, pois está sempre a frisar como é para si um enorme consumo de tempo responder-nos a nós, burros, incultos, fechados ao Espírito, criptofundamentalistas, retrógrados, fanáticos, e vermes intocáveis....
Por isso, dado o seu pouco e precioso tempo, já não precisa de responder à minha questão sobre Latrão IV, se não tiver tempo nem disposição para tal.

Ficaria satisfeito se materializasse a citação da Congregação para a Doutrina da Fé, dando-nos forma de chegar a ela.

E ficaria imensamente agradecido se nos pudesse facultar algo mais, para além das suas doutras opiniões pessoais, para fundamentar a sua posição. Talvez um ou outro texto com autoridade magisterial pudessem ajudar a vincar a sua posição...

Obrigado!

Bernardo

Anónimo disse...

Meu Deus! Que confusão que vai na cabeça de algumas pessoas sobre o que é o Magistério. Quer dizer, então, que o Bernardo acredita que, por exemplo, o Pentateuco foi escrito por Moisés como declara o magistério da Igreja (DH 3394)? Acha ainda que há assuntos da é que devem ser omitidos a algumas pessoas (DH 771)? Acha que não podemos crer que o que saiu do lado de Jesus foi soro e sangue e não água e sangue (DH 798)? Acha que quem diz que emprestar dinheiro com altos juros não é pecado é herege (DH 906)?

Bernardo Motta disse...

Uma nota para os incautos que andam por aqui a fazer pouco dos Padres da Igreja...

Na célebre Quarta Sessão do Concílio de Trento está decretado o seguinte:

"Furthermore, in order to restrain petulant spirits, It decrees, that no one, relying on his own skill, shall,--in matters of faith, and of morals pertaining to the edification of Christian doctrine, --wresting the sacred Scripture to his own senses, presume to interpret the said sacred Scripture contrary to that sense which holy mother Church,--whose it is to judge of the true sense and interpretation of the holy Scriptures,--hath held and doth hold; [Page 20] or even contrary to the unanimous consent of the Fathers; even though such interpretations were never (intended) to be at any time published. Contraveners shall be made known by their Ordinaries, and be punished with the penalties by law established."

(fonte: http://history.hanover.edu/texts/trent/ct04.html)

1) Que eu saiba, a Igreja Católica nunca reformou este decreto de Trento

2) O Jorge está, manifestamente, a interpretar as passagens das Escrituras acerca do Diabo (mormente, os exorcismos praticados pelo próprio Jesus Cristo, Nosso Senhor) à revelia da interpretação da Igreja e da interpretação unânime dos Padres da Igreja

Assim, é matéria de facto que o Jorge está, com a sua posição, a violar este Decreto do Concílio de Trento. Ele não parece importar-se com isso.

Que, hoje em dia, alguns católicos não se importem grande coisa com a ortodoxia e com a coerência é uma triste realidade. Mas já é outra coisa se um católico com posições heterodoxas nem sequer arranja um qualquer fundamento, uma qualquer sombra de argumento minimamente sustentado e racional, para defender a sua posição heterodoxa...

Bernardo Motta

Anónimo disse...

Que pobreza a tentativa deplorável do Bernardo em calar o autor deste blog e afastar os católicos que não concordam consigo do mesmo. Por essa lógica o actual papa quando afirma o que afirma sobre distintos aspectos de Jesus nos seus dois livros sobre o mesmo deve ser denunciado. Bernardo: vá plantar couves.

Unknown disse...

Caro Anónimo das 1:09 PM. Escreveu o que eu mesmo poderia ter escrito. É isso mesmo. Mas há pessoas que vivem sem pensar. Sejamos compreensivos com elas.

Fernando d'Costa

Jorge Pires Ferreira disse...

Bernardo,
Está a dizer-que, para si, “todo o Latrão” quer dizer “apenas uma parte de Latrão”. Essa parte. Ok. Na verdade, até compreendo o que diz, mas não posso discutir consigo sem uma propedêutica sobre a história dos dogmas ou os dogmas e a sua evolução. Congar, Sesboué, Kasper, Ratzinger, têm escrito sobre isso. Leia-os e depois podemos continuar a falar sobre a dogmática e a sua história.

Se pensa que não é possível “ser católico e rejeitar a existência do Diabo”, tenha a coragem de denunciar às autoridades eclesiásticas quem não acredita no diabo e elas que tomem as devidas medidas. Sobre este ponto, não tenho mais a dizer. Penso que você não tem o poder de ligar e desligar.

Diz ainda: “Sei que é um homem ocupado, pois está sempre a frisar como é para si um enorme consumo de tempo responder-nos a nós, burros, incultos, fechados ao Espírito, criptofundamentalistas, retrógrados, fanáticos, e vermes intocáveis...”

Destas expressões todas só usei “criptofundamentalistas” e não foi em relação a si, foi aos tradicionalistas. Se se revê nela, é consigo.
Se está irritado – é o que deduzo pela afirmação citada – vá espairecer um bocado, pf.
Sobre a interpretação dos exorcismos feitos por Jesus, posso ler os Padres da Igreja ou os exegetas atuais. Não duvido da santidade e ortodoxia dos Padres da Igreja - por isso é que são “Pais da Igreja” – nem dos seus conhecimentos bíblicos. Mas prefiro os exegetas atuais, que por sinal geralmente conhecem bem os Padres da Igreja. O seu problema, penso, reside em “o que é interpretar um texto bíblico”. A Pontifícia Comissão Bíblica tem muita coisa escrita sobre isso. Pode encontrar no sitio do Vaticano, tal como a citação da CDF. Investigue um pouco, porque estou certo que encontrará outras coisas giras, por exemplo sobre a historicidade dos evangelhos.
Logo à noite - porque não tenho o livro comigo agora – espero pôr aqui o que o teólogo atual diz de um dos exorcismos de Jesus. Verá, assim espero, que é muito mais estimulante, evangélico , credível e, em certo sentido provocador, do que as possessões segundo a DTDD.

Nuno António disse...

Parece-me que a questão do diabo existir ou não, no âmbito desta discussão, acaba por ter apenas um papel de um dos possíveis exemplos ilustrativos do tema principal, a ela subjacente: Faz sentido um católico colocar em causa decisões conciliares sobre temas de doutrina de fé? Quanto ao resto dos temas todos sabemos que a ICAR se caracteriza pelas mais diversas formas de expressão e vivência da Fé, aceitando-as como parte integrante. Ao contrário do que podemos observar em igrejas protestantes, na católica temos desde o acesso à Fé pelo uso da razão de São Tomás de Aquino até ao misticismo de São João da Cruz.

Nómada do Mar disse...

"tenho mais medo dos que passam o tempo a falar do diabo e dos demónios, do que do diabo e dos demónios"

não sei o autor desta ideia.

Jorge Pires Ferreira disse...

Olá, Nuno. O difícil da questão que põe...

"Faz sentido um católico colocar em causa decisões conciliares sobre temas de doutrina de fé?"

...é saber o que são e quais são as decisões conciliares sobre temas de doutrina de fé.

O Bernardo inclui o diabo, demónios e possessões.

Eu defendo que esses temas têm de ser contextualizados e reinterpretados.

Também o Concílio de Florença e o de Trento se pronunciaram sobre a ida para o inferno de crianças sem o baptismo (ou pelo menos a exclusão da visão de Deus) e hoje ninguém tem a coragem de lutar pela defesa destas proposições de doutrina da fé. Ou há quem tenha?

Bernardo Motta disse...

Jorge,

"Congar, Sesboué, Kasper, Ratzinger, têm escrito sobre isso. Leia-os e depois podemos continuar a falar sobre a dogmática e a sua história."

Boa, Jorge. Boa resposta.
Vou ler, para talvez um dia saber o que o Jorge sabe, e quem sabe, nesse dia, já poderei vir aqui e retirar tudo o que escrevi.

É mesmo assim que se argumenta: mandar o adversário ir ler livros...

"Se pensa que não é possível “ser católico e rejeitar a existência do Diabo”"

Eu não "penso" isso, eu afirmo que isso é um facto. Aliás, um facto evidente. Com base nos inúmeros exemplos que eu dei em defesa da minha posição, e nos nenhuns exemplos que você deu em defesa da sua posição.

"tenha a coragem de denunciar às autoridades eclesiásticas quem não acredita no diabo e elas que tomem as devidas medidas."

Vamos desviar, mais uma vez, a discussão?
Eu enunciei um facto, e apresentei argumentos.
Você agora pinta-me de delator, como se isso fosse ajudar a sua situação argumentativa...

Haverá alguma forma de eu o fazer argumentar segundo as regras da argumentação?

"Penso que você não tem o poder de ligar e desligar."

Nunca disse que o tinha...
Recordemos que, nesta matéria, o heterodoxo não sou eu. Não sou eu que me arrogo o direito de alterar a doutrina recebida de Cristo, a doutrina preservada pela Igreja. Eu aceito a totalidade dessa doutrina. Não sou eu que pretendo ter o poder para "ligar" ou "desligar" doutrina católica.

"Destas expressões todas só usei “criptofundamentalistas” e não foi em relação a si, foi aos tradicionalistas. Se se revê nela, é consigo."

Tudo bem. É justo.

"Sobre a interpretação dos exorcismos feitos por Jesus, posso ler os Padres da Igreja ou os exegetas atuais."

Você não entende que o Magistério da Igreja nunca tratou o Diabo, os demónios e as possessões como se não fossem realmente o que são? Reais?

Eu tenho falado com outros católicos que também rejeitam estes aspectos da doutrina. Sabe o que eles dizem? Dizem a verdade, dizem que, nesse aspecto, a fé deles é um pouco heterodoxa. Você não tem a honestidade para ter pelo menos essa posição clara, e é isso que é triste.

Eu não estou a atacar a sua ortodoxia em bloco!
Se você aceita a Trindade, se você aceita a concepção virginal e o nascimento virginal de Cristo, se você aceita a ressurreição, se você aceita a transubstanciação, estamos de acordo! Estamos ambos na ortodoxia.

Mas se você está fora da unidade doutrinal no ASPECTO PARTICULAR do Diabo, dos demónios, e das possessões, isso é um FACTO!
Uma pessoa pode ter ideias ortodoxas e ideias heterodoxas. Isso é possível!

O que eu não aceito é a mentira de que se pode ser um católico ortodoxo e coerente, enquanto se rejeita a realidade do Diabo (enquanto pessoa, e não como uma espécie de "ideia abstracta do mal"), dos demónios e das possessões.

Bernardo Motta disse...

"Mas prefiro os exegetas atuais, que por sinal geralmente conhecem bem os Padres da Igreja."

Prefira, por favor, a doutrina católica em bloco. O catolicismo não é o IKEA, onde uma pessoa pode preferir sofás em pano ou sofás em pele...

"O seu problema, penso, reside em “o que é interpretar um texto bíblico”. A Pontifícia Comissão Bíblica tem muita coisa escrita sobre isso."

Outra vez, a cartada do "vá lá ler"...

"Pode encontrar no sitio do Vaticano, tal como a citação da CDF. Investigue um pouco, porque estou certo que encontrará outras coisas giras, por exemplo sobre a historicidade dos evangelhos."

Sim, vou ler essas fontes exactas e detalhadas que você me dá, para eu poder colmatar a minha ignorância. Só assim posso abandonar as ideias que defendo, e que só porque sou ignorante, é que não cedo à força dos argumentos que você até tem, mas não apresenta aqui, porque não tem tempo.

"Logo à noite - porque não tenho o livro comigo agora – espero pôr aqui o que o teólogo atual diz de um dos exorcismos de Jesus."

Mal posso esperar... Se puder, escolha um teólogo sem problemas com a CDF, se não for pedir muito...

"Verá, assim espero, que é muito mais estimulante, evangélico , credível e, em certo sentido provocador, do que as possessões segundo a DTDD."

Sim, claro, é tudo rosas na sua posição coerente e iluminada.

Jorge: respeito, por favor!

Um abraço,

Bernardo

Bernardo Motta disse...

Caro Pedro A. Neto,

Não posso ter a certeza de ter entendido bem a sua motivação para comentar como comentou, mas se eu entendi bem, eu diria que o Pedro arranjou uma saída (pouco airosa) possível para evitar debater o tema.

Cumprimentos

Jorge Pires Ferreira disse...

Bernardo, isto responde a algumas coisas e antecipava outras. Repito.

O Bernardo inclui o diabo, demónios e possessões naquilo a que chama ortodoxia católica.


Eu defendo que esses temas têm de ser contextualizados e reinterpretados. E,concretizando, que não há possessões reais.

O Bernardo - tenho de estar sempre a lembrá-lo - ainda não apresentou qualquer possessão. Quer que conclua o quê? Que existem, mas ainda não aconteceu nenhuma?

Sobre a contextualização e reinterpretação...

...Também o Concílio de Florença e o de Trento se pronunciaram sobre a ida para o inferno de crianças sem o baptismo (ou pelo menos a exclusão da visão de Deus) e hoje ninguém tem a coragem de lutar pela defesa destas proposições de doutrina da fé. Ou há quem tenha?

É um exemplo entre outros. Não eram proposições dogmáticas? Porque não seriam estas que condenam crianças inocentes ao inferno e seriam outras que dizem que Deus não pode ser o autor do mal e que, portanto (ou seja, se toda a gente acredita no diabo, na época, séc. XIII), ele só pode ter sido criado livre e, por uso da vontade, caiu. Mas caiu porquê? Quem o tentou? Caiu no uso da sua liberdade? E hoje, precisamos de tentadores ou basta-nos o uso da nossa liberdade?

Jorge Pires Ferreira disse...

A resposta àquilo que se pensou sobre as crianças, o batismo e o limbo, foi: o pensamento dogmático sobre o assunto evolui. Não podemos aceitar hoje o que se aceitou durante século e séculos. Mas pelos vistos, em relação ao diabo, uma coisa escrita no séc. XIII, e sabemos em que circunstâncias, não pode evoluir.

Bernardo Motta disse...

Jorge,

Eu teria todo o gosto em continuar o debate sobre o tema limbo, apesar de ser fugir do assunto. Acho que o Jorge está a meter-se num ninho de vespas. Acho discutível interpretar os textos desses Concílios como faz o Jorge.

Mas, para lhe fazer a vontade, vamos assumir isso: vamos assumir o seu argumento da evolução dogmática.

Como interpreta, então, a posição actual (e inegável) do Catecismo? E as inúmeras referências (actuais) de Bento XVI ao Diabo? E o cargo (actual) de exorcista oficial da Diocese de Roma?

É que o Magistério NUNCA deixou de ensinar a realidade do Diabo, dos demónios, etc...

Qual é a estrada de fuga que vai seguir agora, Jorge?

Esclareça-me, por favor...

Bernardo Motta disse...

PS: E, claro, o rito (actual) de exorcismo, que, aos vossos olhos, seria uma patetice ainda existir...

Bernardo Motta disse...

Jorge,

Eu ainda não tinha respondido a isto:

"E,concretizando, que não há possessões reais."

Essa é a sua opinião. Para manter essa opinião, o Jorge tem que fazer esta ginástica:

a) ignorar o Magistério quando este sempre disse o contrário

b) ignorar os testemunhos de exorcistas dos últimos dois milénios

c) ignorar o facto de que Roma mantém um ritual para o exorcismo, e que Roma defende que esse ritual se destina a exorcisar influências demoníacas reais (e não meras ilusões ou doenças psicológicas)

Suponho que o Jorge também não aceite outros fenómenos de origem demoníaca, como os que envolvem deslocação de pessoas e objectos...

Posso invocar uma história de todos conhecida, a do Padre de Ars, São João Maria Vianney, figura aliás invocada por Bento XVI como modelo sacerdotal (algo que outros Papas também fizeram no século XX).

Como é sabido, o santo cura de Ars teve inúmeras altercações com o Diabo (ou com um demónio) a quem ele chamava, amigavelmente, de "le grappin".

Numa das vezes, a meio da noite, foram dar com ele, ainda deitado na sua cama, mas a cama estava deslocada para o centro do quarto. O Padre explicou que fora por acção diabólica.

http://fr.wikipedia.org/wiki/Jean-Marie_Vianney#Infestations_diaboliques

Estas histórias multiplicam-se, quer nos diários dos exorcistas, quer nas vidas de alguns santos.

O Jorge pede-nos a suspensão da razão, apelando ao quê, para além da desobediência ao Magistério? Pede-nos que consideremos esta gente toda, santos, exorcistas, como tarados? Loucos? Mentirosos? Doentes mentais?

Você não vê que, aplicando-se o seu critério de "prova", você tem que atirar pela borda fora todos os milagres de Cristo, incluindo a ressurreição?

Algumas pessoas com fraca formação científica, filosófica ou teológica podem achar que há incompatibilidade entre o actual conhecimento científico e a acção sobrenatural (de agentes sobrenaturais) no mundo natural.

Essas pessoas podem achar que, por exemplo, a acção sobrenatural violaria a conservação da energia. Se, por exemplo, a cama do Cura de Ars se moveu por acção diabólica, se não há uma causa física natural para esse movimento da cama, como explicar a violação da lei da conservação da energia?

Essa é a pergunta do ignorante.
A lei da conservação da energia (bem definida na física clássica, newtoniana) requer que o sistema em análise esteja fechado. Isso inclui causalmente fechado. Ou seja, a energia só se conserva quando não há causas externas a influenciar o sistema.

Evidentemente, no caso da cama do Cura de Ars, a causa do seu movimento é sobrenatural, pelo que imediatamente não se aplica o princípio da conservação de energia: o sistema físico em questão não está isolado, o que implica não estar causalmente isolado.

Se vamos para a física de Einstein, a coisa fica ainda mais complicada para o defensor da incompatibilidade entre o sobrenatural e a ciência física: é que o conceito de conservação de energia é mais problemático de definir localmente num modelo einsteiniano. E se vamos para a física quântica, nesse modelo, é ainda mais fácil encontrar compatibilidade dos fenómenos quânticos com causas sobrenaturais.

É de Laplace que vem o modelo filosófico (errado) que vê o Universo como um sistema causalmente fechado. Nessa visão laplaciana, o estado de um sistema físico (mesmo que seja todo o Universo) depende apenas de leis gerais e do estado anterior desse sistema físico.

Esse é um preconceito filosófico gratuito do senhor Laplace, paz à sua alma!

Que o Jorge persista nesse preconceito, séculos depois, e com todo o conhecimento humano acumulado desde então, é uma coisa que me transcende.

Se o Jorge tem pruridos filosóficos acerca da possibilidade de fenómenos naturais causados por agentes sobrenaturais, terá esses pruridos não apenas com possessões demoníacas ou com movimentos de camas por acção dos demónios. Terá problemas também com os milagres em geral, incluindo os de Cristo.

Um abraço,

Bernardo

Anónimo disse...

Tá calado... há cada amélia a querer ser teólogo. Nem sequer sabe o que é a hierarquia das verdades e o grau de assentimento que é exigido a cada uma. Bernardo: vá encher chouriços!

Bernardo Motta disse...

Muito obrigado pelo seu valioso contributo, caro Anónimo! Um bem-haja!

Anónimo disse...

De nada. Ensinar os ignorantes é uma obra de misericórdia.

Anónimo disse...

Não entendo qual o fascínio por um tema (o diabo) que é tido pela Igreja Católica Apostólica Romana como secundário para a Fé.

Américo Mendes

Bernardo Motta disse...

Olá Américo!

Não é uma questão de fascínio, mas sim de verdade, da procura da verdade. Se o Diabo existe, dizer que ele existe é proclamar uma verdade, e não ter fascínio pelo Diabo.

Pelo contrário, tenho o maior repudio pelo Diabo e pelas suas obras.

Cumprimentos,

Bernardo

Bernardo Motta disse...

Penso que é hora de regressar aos básicos...

O Jorge terminou este "post" com um rectângulo vazio. O Jorge foi sincero, acerca da existência do Diabo: "Sinceramente, creio que não existe".

Ele fez uma citação da Congregação para a Doutrina da Fé, mas essa citação ainda não foi pelo Jorge correctamente identificada e localizada.

Essa citação, e a posição céptica do Jorge, parecem-me colidir com os seguintes trechos do Catecismo.

Perante o que diz o Catecismo, um católico poderá ter dois tipos de razões principais para rejeitar a existência do Diabo:

1) Não aceitar a doutrina toda do Catecismo, sobretudo, rejeitar as passagens do Catecismo que falam do Diabo

2) Não conhecer o Catecismo todo, sobretudo, não conhecer as passagens do Catecismo que falam do Diabo

Perante estes trechos, vejo que é útil repetir aqui essas passagens, para pelo menos, erradicarmos as razões de tipo 2. Neste debate, naqueles que persistirem na inexistência do Diabo, ficarão apenas aquelas razões que se prendem com o tipo 1, com a rejeição de parte do Catecismo, sobretudo da parte que diz respeito à existência do Diabo.

A discussão acerca do que é que significa um católico não aceitar o catecismo todo, essa discussão, poderá ficar para outro dia.

Eu já ficaria feliz se os meus adversários de debate reconhecessem como exactas as seguintes citações em defesa da minha posição...

Em justiça, creio que o João Silveira já as apresentou neste blogue, há umas semanas atrás. Não me recordo se as apresentou todas, ou apenas parte delas. Aqui ficam todas as referências do Catecismo ao Diabo...

Bernardo Motta disse...

391. Por detrás da opção de desobediência dos nossos primeiros pais, há uma voz sedutora, oposta a Deus (266), a qual, por inveja, os faz cair na morte (267). A Escritura e a Tradição da Igreja vêem neste ser um anjo decaído, chamado Satanás ou Diabo (268). Segundo o ensinamento da Igreja, ele foi primeiro um anjo bom, criado por Deus. «Diabolus enim et alii daemones a Deo quidem natura creati sunt boni, sed ipsi per se facti sunt mali – De facto, o Diabo e os outros demónios foram por Deus criados naturalmente bons; mas eles, por si, é que se fizeram maus» (269).

Fonte: http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p1s2c1_198-421_po.html

Bernardo Motta disse...

392. A Escritura fala dum pecado destes anjos (270). A queda consiste na livre opção destes espíritos criados, que radical e irrevogavelmente recusaram Deus e o seu Reino. Encontramos um reflexo desta rebelião nas palavras do tentador aos nossos primeiros pais: «Sereis como Deus» (Gn 3, 5). O Diabo é «pecador desde o princípio» (1 Jo 3, 8), «pai da mentira» (Jo 8, 44).

393. É o carácter irrevogável da sua opção, e não uma falha da infinita misericórdia de Deus, que faz com que o pecado dos anjos não possa ser perdoado. «Não há arrependimento para eles depois da queda, tal como não há arrependimento para os homens depois da morte» (271).

394. A Escritura atesta a influência nefasta daquele que Jesus chama «o assassino desde o princípio» (Jo 8, 44), e que chegou ao ponto de tentar desviar Jesus da missão recebida do Pai (272). «Foi para destruir as obras do Diabo que apareceu o Filho de Deus» (1 Jo 3, 8). Dessas obras, a mais grave em consequências foi a mentirosa sedução que induziu o homem a desobedecer a Deus.

395. No entanto, o poder de Satanás não é infinito. Satanás é uma simples criatura, poderosa pelo facto de ser puro espírito, mas, de qualquer modo, criatura: impotente para impedir a edificação do Reino de Deus. Embora Satanás exerça no mundo a sua acção, por ódio contra Deus e o seu reinado em Jesus Cristo, e embora a sua acção cause graves prejuízos – de natureza espiritual e indirectamente, também, de natureza física – a cada homem e à sociedade, essa acção é permitida pela divina Providência, que com força e suavidade dirige a história do homem e do mundo. A permissão divina da actividade diabólica é um grande mistério. Mas «nós sabemos que tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8, 28).

Jorge Pires Ferreira disse...

Calma, Bernardo, eu estou quase a regressar.

Bernardo Motta disse...

397. Tentado pelo Diabo, o homem deixou morrer no coração a confiança no seu Criador (273). Abusando da liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus. Nisso consistiu o primeiro pecado do homem (274). Daí em diante, todo o pecado será uma desobediência a Deus e uma falta de confiança na sua bondade.

Bernardo Motta disse...

1237. E porque o Baptismo significa a libertação do pecado e do diabo, seu instigador, pronuncia-se sobre o candidato um ou vários exorcismos. Ele é ungido com o óleo dos catecúmenos ou, então, o celebrante impõe-lhe a mão e ele renuncia expressamente a Satanás. Assim preparado, pode professar a fé da Igreja, à qual será «confiado» pelo Baptismo (35).

Bernardo Motta disse...

Regresse, Jorge, regresse!
Estou apenas a ir pescar ao Catecismo as referências explícitas, e não ambíguas, à realidade do Diabo, dos demónios, e das suas influências negativas sobre a humanidade... Não se sinta intimidado! ;)

Bernardo Motta disse...

2482. «A mentira consiste em dizer o que é falso com a intenção de enganar» (239). O Senhor denuncia na mentira uma obra diabólica: «Vós tendes por pai o diabo, [... ] nele não há verdade; quando fala mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira» (Jo 8, 44).

Bernardo Motta disse...

(esqueci-me deste parágrafo, que vem pouco depois do parágrafo 397...

407. A doutrina sobre o pecado original – ligada à da redenção por Cristo – proporciona uma visão de lúcido discernimento sobre a situação do homem e da sua acção neste mundo. Pelo pecado dos primeiros pais, o Diabo adquiriu um certo domínio sobre o homem, embora este permanecesse livre. O pecado original traz consigo «a escravidão, sob o poder daquele que possuía o império da morte, isto é, do Diabo» (299). Ignorar que o homem tem uma natureza ferida, inclinada para o mal, dá lugar a graves erros no domínio da educação, da política, da acção social (300) e dos costumes.

Bernardo Motta disse...

538. Os evangelhos falam dum tempo de solidão que Jesus passou no deserto, imediatamente depois de ter sido baptizado por João: «Impelido»pelo Espírito para o deserto, Jesus ali permanece sem comer durante quarenta dias. Vive com os animais selvagens e os anjos servem-n'O (263).

No fim desse tempo, Satanás tenta-O por três vezes, procurando pôr em causa a sua atitude filial para com Deus; Jesus repele esses ataques, que recapitulam as tentações de Adão no paraíso e de Israel no deserto; e o Diabo afasta-se d'Ele «até determinada altura» (Lc 4, 13).

539. Os evangelistas indicam o sentido salvífico deste acontecimento misterioso, Jesus é o Novo Adão, que Se mantém fiel naquilo em que o primeiro sucumbiu à tentação. Jesus cumpre perfeitamente a vocação de Israel: contrariamente aos que outrora, durante quarenta anos, provocaram a Deus no deserto (264), Cristo revela-Se o Servo de Deus totalmente obediente à vontade divina. Nisto, Jesus vence o Diabo: «amarrou o homem forte», para lhe tirar os despojos (265). A vitória de Jesus sobre o tentador, no deserto, antecipa a vitória da paixão, suprema obediência do seu amor filial ao Pai.

540. A tentação de Jesus manifesta a maneira própria de o Filho de Deus ser Messias, ao contrário da que Lhe propõe Satanás e que os homens (266) desejam atribuir-Lhe. Foi por isso que Cristo venceu o Tentador, por nós: «Nós não temos um sumo-sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas; temos um, que possui a experiência de todas as provações, tal como nós, com excepção do pecado» (Heb 4, 15). Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto.

Bernardo Motta disse...

550. A vinda do Reino de Deus é a derrota do reino de Satanás (302): «Se é pelo Espírito de Deus que Eu expulso os demónios, então é porque o Reino de Deus chegou até vós» (Mt 12, 28). Os exorcismos de Jesus libertam os homens do poder dos demónios (303). E antecipam a grande vitória de Jesus sobre «o príncipe deste mundo» (304). É pela cruz de Cristo que o Reino de Deus vai ser definitivamente estabelecido: «Regnavit a ligno Deus – Deus reinou desde o madeiro» (305).

Bernardo Motta disse...

635. Cristo, portanto, desceu aos abismos da morte (539), para que «os mortos ouvissem a voz do Filho do Homem e os que a ouvissem, vivessem» (Jo 5, 25). Jesus, «o Príncipe da Vida» (540), «pela sua morte, reduziu à impotência aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo, e libertou quantos, por meio da morte, se encontravam sujeitos à servidão durante a vida inteira» (Heb 2, 14-15). Desde agora, Cristo ressuscitado «detém as chaves da morte e do Hades» (Ap 1, 18) e «ao nome de Jesus todos se ajoelhem, no céu, na terra e nos abismos» (Fl 2, 10).

«Um grande silêncio reina hoje sobre a terra; um grande silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o rei dorme. A terra estremeceu e ficou silenciosa, porque Deus adormeceu segundo a carne e despertou os que dormiam há séculos [...]. Vai à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Quer visitar os que jazem nas trevas e nas sombras da morte. Vai libertar Adão do cativeiro da morte. Ele que é ao mesmo tempo seu Deus e seu filho [...] "Eu sou o teu Deus, que por ti me fiz teu filho [...] Desperta tu que dormes, porque Eu não te criei para que permaneças cativo no reino dos mortos: levanta-te de entre os mortos; Eu sou a vida dos mortos"» (541).

Resumindo:

636. Na expressão «Jesus desceu à mansão dos mortos», o Símbolo confessa que Jesus morreu realmente, e que, por ter morrido por nós, venceu a morte e o Diabo «que tem o poder da morte» (Heb 2, 14).

Bernardo Motta disse...

And last, but not least....

2850. A última petição ao nosso Pai também está incluída na oração de Jesus: «Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno» (Jo 17, 15). Ela diz-nos respeito, a cada um pessoalmente, mas somos sempre «nós» que rezamos, em comunhão com toda a Igreja, pela libertação de toda a família humana. A oração do Senhor não cessa de nos abrir às dimensões da economia da salvação. A nossa interdependência no drama do pecado e da morte transforma-se em solidariedade no corpo de Cristo, em «comunhão dos santos» (143).

2851. Nesta petição, o Mal não é uma abstracção, mas designa uma pessoa, Satanás, o Maligno, o anjo que se opõe a Deus. O «Diabo» («dia-bolos») é aquele que «se atravessa» no desígnio de Deus e na sua «obra de salvação» realizada em Cristo.

2852. «Assassino desde o princípio, [...] mentiroso e pai da mentira» (Jo 8, 44), «Satanás, que seduz o universo inteiro» (Ap 12, 9), foi por ele que o pecado e a morte entraram no mundo, e é pela sua derrota definitiva que toda a criação será «liberta do pecado e da morte» (144). «Sabemos que ninguém que nasceu de Deus peca, porque o preserva Aquele que foi gerado por Deus, e o Maligno, assim, não o atinge. Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro está sujeito ao Maligno» (1 Jo 5, 18-19):

«O Senhor, que tirou o vosso pecado e perdoou as vossas faltas, tem poder para vos proteger e guardar contra as insídias do Diabo que vos combate, para que não vos surpreenda o inimigo que tem o hábito de engendrar a culpa. Mas quem a Deus se entrega não tem medo do Diabo. Porque "se Deus está por nós, quem contra nós?" (Rm 8, 31)» (145).

2853. A vitória sobre o «príncipe deste mundo» (146) foi alcançada, duma vez para sempre, na «Hora» em que Jesus livremente Se entregou à morte para nos dar a sua vida. Foi o julgamento deste mundo, e o príncipe deste mundo foi «lançado fora» (147). «Pôs-se a perseguir a Mulher»(Ap 12, 13) (148), mas não logrou alcançá-la: a nova Eva, «cheia da graça» do Espírito Santo, foi preservada do pecado e da corrupção da morte (Imaculada Conceição e Assunção da santíssima Mãe de Deus, Maria, sempre Virgem). Então, «furioso contra a Mulher, foi fazer guerra contra o resto da sua descendência» (Ap 12, 17). Eis porque o Espírito e a Igreja rogam: «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 17.20), já que a sua vinda nos libertará do Maligno.

2854. Ao pedirmos para sermos libertados do Maligno, pedimos igualmente para sermos livres de todos os males, presentes, passados e futuros, dos quais ele é autor ou instigador. Nesta última petição, a Igreja leva à presença do Pai toda a desolação do mundo. Com a libertação dos males que pesam sobre a humanidade, a Igreja implora o dom precioso da paz e a graça da espera perseverante do regresso de Cristo. Orando assim, antecipa na humildade da fé a recapitulação de todos e de tudo, n'Aquele que «tem as chaves da morte e da morada dos mortos» (Ap 1, 18), «Aquele que é, que era e que há-de vir, o Todo-Poderoso» (Ap 1, 8) (149):

«Livrai-nos de todo o mal, Senhor, e dai ao mundo a paz em nossos dias, para que, ajudados pela vossa misericórdia, sejamos sempre livres do pecado e de toda a perturbação, enquanto esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador» (150)

Jorge Pires Ferreira disse...

Bernardo, sobre o catecismo, quando começam por citá-lo, tenho logo de perguntar o que entendem pelas primeiras dez palavras que cita, estas:

"Por detrás da opção de desobediência dos nossos primeiros pais"

Explique-me o que entende por isto. Depois podemos continuar. Se invoca o catecismo, diga-me a que se refere isto.

E depois porque é que o Catecismo diz:

A Escritura e a Tradição da Igreja vêem neste ser um anjo decaído, chamado Satanás ou Diabo (268).

E não:

Este ser é um anjo decaído, chamado Satanás ou Diabo (268).

Repare que eu concordo com a frase que diz "vêem". Mas a segunda não está lá.

Enfim.

Bernardo Motta disse...

Para o Fernando d'Costa, quero dedicar este especial parágrafo do Catecismo (citado no meu último comentário)

2851. Nesta petição, o Mal não é uma abstracção, mas designa uma pessoa, Satanás, o Maligno, o anjo que se opõe a Deus. O «Diabo» («dia-bolos») é aquele que «se atravessa» no desígnio de Deus e na sua «obra de salvação» realizada em Cristo.

Obrigado pela vossa paciência!

Bernardo

Jorge Pires Ferreira disse...

Bernardo, o argumento da força raramente é um argumento forte. Até já.

Bernardo Motta disse...

Jorge,

Antes de lhe responder, quero relembrar que acabo de citar 20 parágrafos do Catecismo, espalhados ao longo do Catecismo. Encontrei-os com uma mera busca por "Diabo". Não pesquisei por outros sinónimos. Ao contrárido o que eu disse atrás, infelizmente, esta lista de parágrafos ainda não é uma lista completa e exaustiva, em todo o Catecismo, pelas referências ao Diabo, mas é uma boa amostra, parece-me... Não acha?

"Por detrás da opção de desobediência dos nossos primeiros pais"

Explique-me o que entende por isto. Depois podemos continuar. Se invoca o catecismo, diga-me a que se refere isto."

Ok, parece-me simples. Como causa antecedente (mas não exclusiva, senão não seria uma opção) e concorrente para a desobediência de Adão e Eva está... o Diabo.

"Repare que eu concordo com a frase que diz "vêem". Mas a segunda não está lá."

Sofismas, Jorge.
O Magistério fala em nome da Tradição, como intérprete autorizado das Sagradas Escrituras. Sem isso, somos protestantes. O Catecismo é um acto do Magistério. Logo, é o Magistério que vê nesse ser um anjo caído, chamado Satanás ou Diabo.

Você pergunta porque é que o Catecismo, nesse parágrafo, não diz explicitamente isto?

"Este ser é um anjo decaído, chamado Satanás ou Diabo"

Não vou voltar a dizer que está a brincar comigo, porque começo a achar que ninguém brinca desta maneira por tanto tempo.

Vou perguntar-lhe se não acha que os restantes dezanove parágrafos que eu citei não chegam para lhe responder. Se não chegam, eu faço uma pesquisa ao Catecismo por "Satanás", ou "maligno" ou "pai da mentira", ou "demónio", e já cá volto com mais alguns parágrafos para acrescentar à lista.

Se o Jorge tiver vontade de terminar este debate de forma educada e civilizada, penso que o que tem a fazer é afirmar isto, "ipsis verbis":

1) Eu, Jorge, admito que a existência do Diabo é afirmada categoricamente pelo Magistério; é afirmada como um ser (existente, real) pessoal, dotado de livre vontade, e não uma mera abstracção do mal

2) Eu, Jorge, não concordo com essas afirmações do Magistério

Para além disto, actos de mera honestidade e frontalidade, o Jorge deveria ainda, parece-me, aduzir algumas razões (científicas, filosóficas, teológicas) para nos explicar porque é que mantém esse seu cepticismo em relação a estes aspectos da doutrina católica de todos nós.

Jorge Pires Ferreira disse...

E há algum problema em assumir que os catecismos são reformáveis? Ou quer que transcreva coisas do Catecismo de Trento? Mas não vou seguir já para o Catecismo. Tenho assuntos pendentes de ontem, como prometi.

Jorge Pires Ferreira disse...

Ó Bernardo, penso que no ponto 1 se esqueceu de acrescentar as possessões. Acrescenta?

E só há duas alternativas? Tanta falta de imaginação. É o que lhe tenho vindo a dizer. E o que ainda hoje escrevi sobre os sofismas lefebvrianos - a expressão não é minha. O Bernardo é um pouco previsível.

http://tribodejacob.blogspot.pt/2012/07/bento-xvi-contra-os-sofismas-dos.html

Mas olhe que não estou a chamar-lhe lefebvriano. Estou a dizer que neste ponto é como eles.

Além do mais, com a enxurrada de citações, dará a ilusão que de há assuntos não respondidos. E há. Mas lá iremos com calma - bem sei que estou a ser repetitivo. Mas continua a ser assim.

Unknown disse...

Bom. Vamos lá a ver uma coisa. O Catecismo é um texto pensado para servir para todas as pessoas (desde os teólogos à minha vizinha Maurícia com os seus 85 anos) em todos os locais (do Vaticano até à Rodésia). Ou seja: é um texto de compromisso e não de afirmação de todo o pensamento actual da teologia católica.

Mas Bernardo, e centrando-nos, então, nas ideias, o catecismo, na frase que me cita, diz tudo o que eu penso:

a) "O «Diabo» («dia-bolos») é aquele que «se atravessa» no desígnio de Deus e na sua «obra de salvação» realizada em Cristo".

Exactamente. Todo aquele que se atravessa e se opõe a Cristo é um diabo.

b) "Nesta petição, o Mal não é uma abstracção, mas designa uma pessoa, Satanás, o Maligno, o anjo que se opõe a Deus".

Correcto! Os autores dessa petição acreditavam que o Mal era um ser pessoal. É siso que o Catecismo diz. A questão é: estavam correctos? Devemos nós, hoje, acreditar nisso?

Mas Bernardo, posso convidá-lo, sem paternalismo algum, a fazer, como creio que alguém mais o fez, um curso de hermenêutica de textos do Magistério da Igreja? Isso ajudar-lhe-ia a ver as coisas de outro modo.

um abraço sincero de quem lhe quer muito bem

Fernando d'Costa

Jorge Pires Ferreira disse...

bernardo,

Sobre o

"Por detrás da opção de desobediência dos nossos primeiros pais"

diz

"Ok, parece-me simples. Como causa antecedente (mas não exclusiva, senão não seria uma opção) e concorrente para a desobediência de Adão e Eva está... o Diabo".

Onde foi buscar isto? É da sua imaginação?

Se são nossos pais, eu e o Bernardo somos irmãos. Ok. Mas somos mesmo? O que quer dizer pais? São Adão e Eva? O que quer dizer “Adão” e “Eva”. Onde moraram? Quando desobedeceram? Qual foi o pecado gastronómico? Que desobediência? E não dizia lá que tinha sido uma serpente? Ai era o diabo? Como sabe? Eu leio na Bíblia e vejo lá que era “a serpente, o mais astuto dos animais”. Quer dizer que o diabo é um animal? Quem sabe mais, a Bíblia, que diz que era um animal, ou o Catecismo, que diz que era o diabo (esta é uma pergunta à Bernardo)? Que culpa tem a serpente de ser conotada e confundida com o diabo (um dia destes a sociedade protetora dos animais poderá legitimamente reclamar esta associação de má reputação para a serpente)? Como foi transmitido o pecado? Como se interpretam hoje as primeiras páginas do Génesis? E os dados das ciências não nos obrigam a reformular a visão tradicional dos quadros bíblicos? As perguntas poderiam continuar.

Insisto que o cristianismo, com o judaísmo, é uma interpretação infinita, enquanto houver seres humanos. E não um a lista de duas alternativas “ispis verbis”, que tão más recordações traz. Saberá quais.

Jorge Pires Ferreira disse...

“ipsis verbis”,claro.

Concordo, Fernando. Hermenêutica.

Ou então a viagem a um país africano ou mesmo asiático, com muito animismo, onde se compreende perfeitamente a mentalidade da abundância de demónios e das almas dos antepassados.

Bernardo Motta disse...

Caro Fernando,

"um abraço sincero de quem lhe quer muito bem"

Aceito o seu abraço sincero, e retribuo com outro.

Mas compreenda que não posso aceitar os seus sofismas. Você sabe que o Catecismo afirma categoricamente a existência dos anjos, dos demónios, do Diabo, e da capacidade destes para influenciarem (nunca diria "determinarem") os actos humanos.

O Catecismo diz o que diz.
Se você tenta deturpar o que diz o Catecismo isso é feio.

Melhor fará, como começou por tentar, dizendo que o Catecismo "é um texto de compromisso e não de afirmação de todo o pensamento actual da teologia católica".

Eu aceito e concordo consigo nisto: o Catecismo não contém toda a teologia católica. Nomeadamente, não conterá afirmações teológicas em contraste com o conteúdo do Catecismo.

Assim:

1) O Magistério tem autoridade para sintetizar a doutrina católica no Catecismo

2) As minhas citações do Catecismo são as da versão em vigor

3) Em momento algum o Magistério abandonou, até aos nossos dias, os pontos que temos vindo a debater

4) Se um dia o viesse a fazer, eu, católico obediente, acataria a alteração; dado que essa eventual alteração seria contraditória, considero muito baixa a probabilidade, dados os últimos dois mil anos, e a espantosa acção do Diabo durante o século XX, que a Igreja venha no futuro a negar o que sempre disse sobre este tema

Assim, o Fernando (e o Jorge) tem que lidar com este facto cabal: a sua (e a do Jorge) posição neste tema é heterodoxa. E então? É vergonha assumir isso?

Eu já tive no passado muitas ideias heterodoxas. Hoje em dia, se as tenho (é provável) será sem me dar conta do erro.

Peço apenas a frontalidade e a decência de falarmos claro.

Querer meter os vinte parágrafos que eu citei, do Catecismo, a dizer o que vocês querem que lá esteja, mas que não está lá, é uma coisa pouco séria, convenhamos...

Bernardo Motta disse...

Jorge,

Você sabe que eu gosto desse tipo de provocações, que se me meter a falar de Adão e Eva, nunca mais me calo, e começo a comentar com gosto e copiosamente.

Vamos já marcar um "post" (e um almoço?) seguido de debate sobre o tema Adão e Eva.

Para já, deixava apenas esta dúvida no ar: se não existiram Adão e Eva (o primeiro casal de seres humanos), o Pecado Original não ocorreu. Logo, a incarnação de Cristo seria fútil, porque não haveria Pecado Original. Repito: a doutrina católica sempre foi muito clara, e só no início do século XX é que a heresia do modernismo começou a corroer uma doutrina que sempre foi clara como a água. Hoje em dia, vários católicos pegam no Pecado Original de forma modernista e mesmo pós-moderna: ah, e tal, se calhar Adão e Eva são seres figurados, não existiram mesmo, o Pecado Original não é um facto histórico (como a Igreja sempre afirmou), mas é mais ou menos como a conceptualização do Pecado. Se vir bem, esta teologia manhosa tem o mesmo aspecto seboso da teologia que vê Satanás como a "conceptualização" do mal, não como um ser concreto, uma criatura (como a Igreja sempre afirmou), mas como um conceito teórico, uma abstracção, apenas concretizada nos nossos actos...

As coisas estão ligadas: sai de cena Satanás, cai o Pecado Original. Sem ele, a incarnação fica vazia de motivo. Deus criou-nos bons, inclusive, libertos da morte física, uma excepção no reino animal. Pelo Diabo, o mal (e a morte física) entrou na vida do Homem. E Cristo veio remediar isso. Teologia católica 101.

Jorge, Jorge, Jorge...

Jorge, meu caro Jorge...

Tem ali atrás 20 parágrafos claros como a água.
Eu repito o apelo, com alguma esperança (que é a última a morrer)...

Não precisa de ser "ipsis verbis" (um exagero injustificado da minha parte), basta que mantenha o conteúdo, mas por favor, diga-nos de uma vez por todas, e sem mais fugas:

1) Eu, Jorge, admito que a existência do Diabo é afirmada categoricamente pelo Magistério; é afirmada como um ser (existente, real) pessoal, dotado de livre vontade, e não uma mera abstracção do mal

2) Eu, Jorge, não concordo com essas afirmações do Magistério

Jorge Pires Ferreira disse...

O Bernardo diz:

Se não existiram Adão e Eva (o primeiro casal de seres humanos), o Pecado Original não ocorreu. Logo, a incarnação de Cristo seria fútil, porque não haveria Pecado Original.

Tenho que lhe dizer que é tanta a asneira neste encadeado de ideias que nem saberia por onde começar a discuti-las, se quisesse. Mas não quero.

Continua a esquecer-se de pôr as possessões na alternativa 1. Ou já admite que não existem verdadeiras possessões diabólicas?

O Bernardo cai sempre no erro que me aponta: avançar esquecendo-se de responder ao que está para trás.

Diga-me de uma vez por todas?
Não digo. Há mais alternativas.

Bernardo Motta disse...

Jorge,

"Tenho que lhe dizer que é tanta a asneira neste encadeado de ideias que nem saberia por onde começar a discuti-las, se quisesse. Mas não quero."

Hã?

"Continua a esquecer-se de pôr as possessões na alternativa 1. Ou já admite que não existem verdadeiras possessões diabólicas?"

Hã?

"O Bernardo cai sempre no erro que me aponta: avançar esquecendo-se de responder ao que está para trás."

Hã?

"Diga-me de uma vez por todas?
Não digo. Há mais alternativas."

Como?

Jorge Pires Ferreira disse...

Bernardo, já nem entende o que lhe pergunto? Não se passe, pf.

Unknown disse...

Caro Bernardo,

não, não deturpo nada. Olhe que está errado. E mais errado está em considerar a minha posição heterodoxa.

Só se heterodoxa tiver sido a posição de Joseph Ratzinger quando, no seu "Abschied vom Teufel?" presente em "Dogma und Verkündigung" afirmou que (e traduzo):

«Wenn man fragt, ob der Teufel Person sei, so müsste man richtigerweise wohl antworten, er sei die Un-Person, die Zersetzung, der Zerfall des Personseins und darum ist es ihm eigentümlich, dass er ohne Gesicht auftritt, dass die Unkenntlichkeit seine eigentliche Stärke ist».

Von Balthasar, Cardeal da Igreja, também afirmou, no seu "Dare We Hope That All Men Be Saved?" (e peço perdão por citar numa tradução pois nunca tive o original):

«A totally different question is that of to what extent the concept "person" can still be applied to the satanic being. For being a person always presupposes a positive relation to some fellow person, a form of sympathy or at least natural inclination and involvement. Precisely this, however, would no longer be predicable of a being that had, in its entirety, made a radical decision against God, or absolute love»

É bom ser herege e estar na companhia destes luminares da teologia e da é actual da Igreja Católica.

Fernando d'Costa

Unknown disse...

Esqueci-me de traduzir o texto de Ratzinger. Mea culpa.

«Quando perguntamos se o Diabo é uma pessoa, a resposta correcta deve ser seguramente dizer que ele é o não-pessoa, a desintegração, a dissolução da pessoalidade, e assim é típico que ee surja sem rosto e o não-ser-reconhecido seja a sua última força».

Fernando d'Costa

Unknown disse...

Oops. O "f" está a falhar no meu velho teclado.

A última frase do meu comentário das 1:01 devia dar a ler:

É bom ser herege e estar na companhia destes luminares da teologia e da fé actual da Igreja Católica.

Anónimo disse...

Olá Fernando, já lhe enviei uns beijos noutro post, mas aqui repito a dose pois as suas palavras libertaram-me de uma visão que nunca aceitei do diabo.

beijos.

MP

Unknown disse...

Olá MP. Já ando tolo a saltar de post para post, mas como hoje não poderei cá voltar, agradeço-lhe as suas palavras. Mas não sei se está a falar a sério. Suspeito mesmo que o Passarinho é o João Silveira. Mas seja ou não, obrigado.

Fernando d'Costa

Unknown disse...

MP, perdão.. só agora vi que não é o Passarinho, Devo ter deixado passar as suas palavras noutro post e confundi-o com o Passarinho que também me enviou beijos. Perdão.

Fernando d'Costa

Anónimo disse...

Olá Fernando.

Não. Sou MP (Maria Piedade), Passarinho, passarinho é o que acho de si. Acho-o muito belo e uma alma muito simpática e inteligente. Perdoe-me esta sinceridade.

Mais beijos.

MP

Bernardo Motta disse...

Fernando,

Obrigado pelos seus esclarecimentos e pelas importantes citações que nos trouxe. Não tenho problemas em reconhecer a verdade do que citou desses dois grandes teólogos.

Na verdade, eles reforçam o que eu defendo, que afinal de contas, é o que a Igreja defende.

Reconheço que possa ser discutível o estatuto de "pessoa" a atribuir ao Diabo e aos demónios em geral. E por isso, tendo a aceitar os parágrafos que citou.

Mas note bem, que nem Balthasar, nem Ratzinger, negam que o Diabo existe, ou seja, que é um ente, e que tem livre arbítrio.

Pelo contrário, você nega esses aspectos. Você diz que o Diabo não é um ente. Pelo que a sua posição não é a desses teólogos.

Cumprimentos

Jorge Pires Ferreira disse...

http://tribodejacob.blogspot.pt/2012/07/jesus-os-demonios-e-os-exorcismos.html

Anónimo disse...

Ui. Agora devo intervir eu. Onde é que eles afirmam que é um ente e tem livre-arbítreo? Onde? Se não é pessoa (realidade que faz com que haja livre-arbítreo), como pode ter livre-arbítreo? Estou baralhado. Tudo nas frases do Fernando me fazem acreditar que o diabo é mais como um poder não totalmente objectivável senão aqueles que a ele se entregam.

Anónimo disse...

"Senão naqueles" e não "senão aqueles".

Anónimo disse...

Erro meu: falam de "being", no caso de Balthasar. Mas um ser não-pessoal estará dotado de livre-arbítreo? Que outro ser não-pessoal está? Que diz disto Fernando e Bernardo?

Anónimo disse...

Boa pergunta: podemos dizer que um ser que não é pessoal (capaz de conhecer, amar e relacionar-se devido à sua razão) ter livre-arbítreo? Estou convicto de que este último é uma propriedade exclusiva dos seres pessoais. Mas não sou filósofo nem sei o que Igreja diz.

Américo Mendes

Jorge Pires Ferreira disse...

Bernardo,

só agora li as suas explicações sobre a mudança da cama do Cura d'Ars e a lei da conservação da energia, com Newton, Einstein e Planck. Obrigado pelos bons momentos de humor. Como conhece a navalha de Ockham, penso que não é preciso dizer mais nada, mas cito parte da leitura que me sugere no link (costume ler o que me indica):

On a vu que l'abbé Raymond considérait la plupart des phénomènes diaboliques qui tourmentaient le curé d'Ars comme les effets naturels d'un cerveau fatigué. Cette explication est rejetée par le Dr Saunier, qui fut le médecin du curé d'Ars, en raison du parfait équilibre psychologique du curé et de la sûreté de son jugement145. Toutefois, un autre médecin qui examina le curé d'Ars mentionne dans son ordonnance « les affections nerveuses auxquelles il est sujet146 ». De même, la châtelaine d'Ars, grande admiratrice du curé, parle de « cette fièvre qui l'agitait sur son pauvre grabat132 ».

De qualquer forma, não percebo porque a mudança de lugar de cama há-de ser um ato do diabo.

Admito. O diabo quer é enganar-nos, pelo que os atos fortuitos, sem qualquer significado, são diabólicos quando lhe queremos dar um significado e uma explicação.

Exemplos destes são prova de quê?

Anónimo disse...

Américo Mendes:

a doutrina filosófica da Igreja a respeito do que diz é bastante clara: o homem possui livre-arbítreo pois é um ser pessoal.

Só há doze bispos no mundo. São todos homens e judeus

No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...