sábado, 23 de junho de 2012

Anselmo Borges: Religião para ateus

Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (aqui):


Uma amiga tinha-me oferecido a tradução francesa do livro, com o título: "Pequeno guia das religiões para uso dos não crentes".

Rapidamente, apareceu também a tradução em português, seguindo o título original: "Religion for Atheists". Entretanto, o autor, Alain de Botton, passou por Lisboa, para lançar a obra, que parece ser um êxito.

Alain de Botton assume-se como ateu convicto. Mas é talvez a partir da descrença que melhor se veja os benefícios das religiões, que os ateus deveriam recuperar. Há, de facto, necessidades cruciais sempre presentes, que são a razão das religiões e para as quais a sociedade profana não mostrou capacidade de resposta eficaz: "a necessidade de viver harmoniosamente em comunidade, apesar dos nossos impulsos egoístas e violentos profundamente enraizados" e "a necessidade de enfrentar graus terríveis de sofrimento por causa da nossa vulnerabilidade perante o fracasso profissional, as dificuldades das nossas relações com as pessoas próximas, o desaparecimento dos seres queridos e a nossa própria decrepitude".

Somos particularmente vulneráveis à solidão. Ora, aí está, por exemplo, a Missa, lugar de encontro de conhecidos e desconhecidos: aí está "a possibilidade rara de saudar um desconhecido sem correr o risco de ser julgado importuno ou louco". Aí, partilha-se a igualdade: "monarcas e magnatas ajoelham-se e inclinam-se diante da estátua de um carpinteiro". E, quando os fiéis, numa catedral, entoam o "Gloria in excelsis Deo", percebe-se que esta multidão é bem diferente das dos centros comerciais: um cântico exaltante que nos leva a pensar que "afinal, a humanidade talvez não seja uma coisa tão miserável".

No Dia da Expiação, Yom Kipur, os judeus, reunidos na sinagoga, repetirão: "Pecámos, agimos de modo pérfido, roubámos, caluniámos. Agimos de modo obstinado, e mau, e com presunção, fomos violentos, mentimos...". E é a possibilidade da reconciliação do culpado e da vítima, de quem causou o mal e de quem o padeceu e sofre. É aí também que se situa a confissão católica, com o perdão que chega a partir de Deus e que permite um novo recomeço.

Nas nossas sociedades libertárias, não se tolera repreensões morais, já que a liberdade é considerada a virtude política suprema e cada um deve poder agir à sua vontade. Mas então é o que se sabe e vê. As religiões, porém, são mais realistas em relação ao ser humano e, por isso, sabem dar orientações concretas para os vários domínios da existência. É que, por exemplo, "a insolência e a humilhação afectiva podem ser tão corrosivas como o roubo e o assassínio."

John Stuart Mill disse que "a finalidade das universidades não é tanto formar magistrados, médicos e engenheiros competentes como formar seres humanos capazes e cultos." Segundo Matthew Arnold, uma educação cultural autêntica devia inspirar em nós "o amor dos nossos semelhantes, o desejo de dissipar a confusão humana e diminuir a miséria humana" e não devia gerar nada menos do que "a nobre aspiração de deixar o mundo melhor e mais feliz do que o encontrámos". De facto, a universidade moderna parece quase não se preocupar com inculcar nos seus estudantes "aptidões emocionais ou éticas e, ainda menos, ensiná-los a amar os seus semelhantes e a deixar o mundo mais feliz do que o encontraram." A razão disso está, segundo Botton, no declínio do ensino das Escrituras: instalou-se a esperança de que "a cultura poderia ser não menos eficaz do que a religião na sua aptidão para guiar, humanizar e consolar."

Alain de Botton é particularmente sensível à arte sacra e nomeadamente à arquitectura. O feio poderá abençoar a nossa alma? A beleza é "uma versão perceptível da virtude". O cristianismo não nos deixa qualquer dúvida quanto à finalidade da arte: "é um meio de nos lembrar o que conta", da ternura à compaixão, da compreensão ao amor e à abertura e encontro com a transcendência.

Aí ficam breves apontamentos sobre um livro belo. Raramente se chamou tão bem a atenção para as dimensões humanizantes das religiões.

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