Na semana passada, os escândalos e a vergonha ou a falta dela sucederam-se no Vaticano.
Primeiro, foi a publicação por Gianluigi Nuzzi do livro Sua Santidade. Os Dossiers Secretos de Bento XVI. O jornalista teve acesso a uma centena de cartas e documentos confidenciais reservados. Evidentemente, a sua publicação, embora nada traga de surpreendente, causou irritação no Vaticano, já que a obrigação de manter o segredo foi violada. Nestes textos, "emergem os confrontos secretos e as armadilhas a todos os níveis", que percorrem os palácios apostólicos do Vaticano. Nuzzi defende-se, dizendo que não pagou nem um euro a ninguém e que "não é um livro contra a Igreja, nem contra a fé, nem contra o Santo Padre". Pelo contrário, "há vontade de limpeza; são pessoas que vivem há anos no Vaticano e que querem expulsar os vendilhões do templo".
Depois, foi a destituição do presidente do Instituto para as Obras da Religião (IOR), mais conhecido como o Banco do Vaticano, Ettore Tedeschi. Isso aconteceu, após uma moção de censura no Conselho de Supervisão. Há quem fale em casos de lavagem de dinheiro. No entanto, Tedeschi, apresentado como católico fervoroso, simpatizante do Opus Dei, respeitado pelo Papa, especialista em ética nas finanças, antigo professor de Economia na Universidade Católica de Milão e director da filial do Santander na Itália, tinha até há pouco tempo a "total confiança" da Santa Sé. Após a demissão, declarou: "Prefiro não falar, para não dizer grosserias."
Por fim, um caso sem precedentes: o mordomo do Papa, Paolo Gabriele, de 46 anos, homem de confiança, no lugar desde 2006, e um dos poucos com contacto directo com Bento XVI, foi preso por posse de documentos sigilosos. Segundo o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, "a pessoa detida por posse ilegal de documentos confidenciais, encontrados no seu domicílio situado no território do Vaticano, é o senhor Paolo Gabriele, que permanece preso". Mas será ele o principal responsável?
Afinal, o que se passa? Há um Papa debilitado (tem 85 anos), amargurado, que talvez nem sequer imaginasse o que vai pela Cúria e cujos interesses são de outra ordem que não propriamente a administração, pois o que o preocupa é a fé e a sua inteligência. Depois, está instalado o carreirismo eclesiástico, que tantas vezes denunciou. E, agora, os especialistas em vaticanologia vão chamando a atenção para os rancores entre cardeais e, sobretudo, para as lutas e intrigas de poder, já que a sucessão papal está para breve.
Diz-se, por exemplo, que há os que querem desfazer-se do cardeal Tarcisio Bertone e dos que lhe são próximos. Por outro lado, o ex-secretário de Estado do Vaticano e actual decano do Colégio Cardinalício, cardeal Angelo Sodano, está "ferido", porque o actual Papa não o defendeu, quando o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena e amigo pessoal de Bento XVI, o acusou publicamente de ter protegido Marcial Maciel, um dos homens que mais escândalos e danos causou nos últimos tempos à Igreja.
Jesus foi tentado três vezes, e as três tentações estão referidas ao poder: poder económico, poder político, poder religioso. O poder religioso é o que oferece mais perigos. Por isso, foi dizendo: "Sabeis que os governantes das nações as dominam e os grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós seja aquele que serve e o que quiser ser o primeiro seja o vosso servo. Eu não vim para ser servido, mas para servir."
O cancro da Igreja é mesmo a Cúria Romana. Sem a sua reforma urgente e radical (mas ela será reformável?), que tem de começar pela transparência económico-financeira, a Igreja Católica assistirá a uma descredibilização crescente. Quando, no meio de uma crise global e sem fim à vista, seria mais necessária do que nunca uma palavra moral limpa por parte da Igreja, ela afunda-se em escândalos. "Os javalis entraram na vinha do Senhor", queixa-se, com razão, o Papa Bento XVI. Chegou-se a este paradoxo: a última monarquia absoluta do Ocidente parece sentir-se impotente para pôr ordem na sua casa.
Sem culpas para o animal, claro.
3 comentários:
Carreirismo. Não é preciso ir a Roma para o ver. Basta ver o vigário-geral da diocese do Porto, o p. Américo (chamado de "cardeal Américo"): nunca foi pároco nem sequer fez o curso de teologia a um nível mediano, mas tem o carrerismo no sangue.
Assinei durante o Concílio VAT II a revista "Informations Catholiques Internationales".
Ao reler as descrições das sessões conciliares e do enorme caudal de esperança que inundava a Igreja e até o mundo é muito triste assistir ao desmoronar dessa esperança e lembrar as magoadas palavras de S.Paulo “Não Extingais o Espírito” (1Tes 5, 19).
Não creio que esteja correcto, meu caro. Esperanças de quê? para quê? A análise dos sinais dos tempos da década de 60 do século XX deve levar-nos hoje a querer o mesmo que então era querido? Então, ser fiel a Deus e à humanidade pedia X, hoje, essa mesma fidelidade, pode pedir Y. Não se pode criticar a Igreja por, no passado, ter estado fechada sobre si mesma e, ao mesmo tempo, criticá-la por hoje não estar fechada sobre algumas interpretações excessivas que foram feitas no passado acerca do Vaticano II.
Fernando d'Costa
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