Ando a ler “Tudo tem um preço”, de Eduardo Porter,
jornalista norte-americano especialista em economia. É mais um daqueles livros
de economia tão em voga que explicam tudo, do formato dos pacotes de leite ou das caixas de DVD à
relação entre aborto e crime, dos congestionamentos de trânsito à ascensão da
China. Porque tudo reside em escolhas humanas.
Ora este “Tudo tem um preço” (o título original tem um
sentido algo diferente: “The price of everything”), subtítulo: “a lógica
secreta dos preços que pagamos”, propõe-se explicar
a) o preço da vida
b) o preço da felicidade
c) o preço das mulheres
d) o preço do trabalho
e) o preço do grátis
f) o preço da cultura
g) o preço da fé
h) o preço do futuro
E dedica ainda um capítulo a “quando os preços falham”, o
constitui um toque de eficiente humildade.
O livro é suficientemente atrativo para – no meu caso – não
saltar logo para o capítulo da alínea g). Mas a tese é enunciada logo nas
primeiras páginas:
“Os economistas sugerem que a Igreja Católica tem vindo a perder fiéis, não porque as pessoas tenham deixado de acreditar em Deus, mas porque ser católico se tornou demasiado barato face ao cristianismo evangélico, que exige dos seus membros um investimento mais avultado nas igrejas, inspirando assim mais lealdade” (pág. 11).
Antes de avançar mais na leitura, com a liberdade que a
ignorância me dá (e antes de perguntar se a Conferência Episcopal Portuguesa
conhece a tese, se a tem em conta para analisar a perda de católicos em
Portugal, uma perda apesar de tudo, enfim, pífia, isto é, sem pôr nada em causa; ainda se
fosse uns 20 ou 30 por cento...), interrogo-me se não estará aqui, também,
a) a explicação do sucesso dos movimentos de sinal conservador – passe a convenção – que dão muitas vocações à Igreja católica;
b) a explicação de missas cheias de fiéis de párocos que são déspotas (eu não conheço nenhum), mas já ouvi falar que isso existe;
c) a explicação de assembleias numerosas a ouvir párocos que não se cansam de pedir dinheiro – para obras, claro (só conheço um e já não está na paróquia em que estava);
d) a explicação do sucesso dos lefebvrianos (poucos, estatisticamente, mas aguerridos e com alta taxa de vocações oriundas de boas famílias), cujo regresso à Santa Madre Igreja é tão desejado por alguns, a começar pelo Papa;
e) a explicação para o medo de que a perda da obrigatoriedade do celibato faça baixar a qualidade dos padres;
f) a explicação para o medo de conceder o sacerdócio ministerial às mulheres, uma espécie de democratização inflacionadora do sacramento;
g) a explicação para o sucesso do cristianismo quando este é oposição aos totalitarismos (o maior sucesso do cristianismo quando o totalitarismo é de esquerda do que quando é de direita também é explicável pelo facto de o cristianismo de direita – oposto aos comunismos – ter uma moral sexual mais, digamos, “cara”).A lista pode continuar. E eu até compreendo a lógica das opções humanas, que não é, nunca foi, estritamente racional. Contudo, temos sempre de perguntar: e onde fica a verdade? Se a tese estiver correta – e parece-me que tem um fundo de verdade – significa que a verdade, que tem de estar coladinha ao amor, não é lá muito considerada no cristianismo (este assunto exige outras explicações, mas há duas pessoas à minha espera).
Justamente na linha da tese acima referida, Bonhoeffer escreveu o seguinte: A graça barata é o inimigo mortal da nossa igreja. Aqui citado. Tão católico, este luterano.
2 comentários:
É, de facto, paradoxal que sejam nas igrejas do "sola fidei" onde mais se exige, em termos económicos, aos seus membros. Sábia (segundo o mundo) psicologia: por um lado, quanto mais se pede aos seus membros, mais eles sentem que estão a "comprar" a sua salvação; por outro, como é tudo "sola fidei", não precisamos de lhes explicar nada: eles devem confiar.
Mas não só: já alguém ouviu um "evangélico" a saber que pertence a uma denominação que acredita na dupla predestinação (de uns ao céu e de outros ao inferno)? ou na graça invencível? eu não.
Enfim. Estou em desacordo com a análise que se faz ao crescimento de vocações em grupos eclesiais conservadores. Os jesuítas em Portugal têm-nas tido aos pacotes. É tudo, admitamos, uma questão de "marketing" que os discípulos de Inácio de Loiola aprimoraram nos últimos 10 anos.
Fernando d'Costa
O que escrevi foram só as primeiras impressões sobre o livro. A leitura tem sido muito intermitente e ainda não cheguei ao capítulo "O preço da fé". Quanto aos jesuítas, embora haja claros sinais de que estão mais conservadores(não precisa de aspas, porque sabe o que quer dizer a palavra) agora do que há uns tempos (até já dizem que Anselm Grun está a desviar-se da fé católica), podem bem ser a exceção à regra. Mas eles têm mesmo muitas vocação? Por serem os que têm mais não quer dizer que têm muitas. Mas ressalve-se que não conheço números, só o resumo de serem a congregação com mais candidatos.
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