quinta-feira, 1 de março de 2012

Aborto pós-parto


"Phoebe Buffay"

Num divertido episódio da série “Friends”, Phoebe (aquela de “Smelly cat”, que inspirou os Gato Fedorento), viu encarnar em si a alma de uma idosa acabada de morrer enquanto lhe fazia uma massagem. O corpo tinha morrido, mas a alma não queria partir porque ainda não tinha visto tudo. Como faltava algo, Phoebe passeou a alma de senhora por tudo quanto era sítio em Nova Iorque. Mas a alma nunca mais partia. Com a trama própria de uma série muito bem feita (o Google permitiu-me agora mesmo saber que se trata do episódio 11 da 2.ª série), enquanto Phoebe passeia, prepara-se um casamento. Phoebe vai ao casamento de duas lésbicas e após o “sim” de ela e ela, ouve-se Phoebe dizer pela alma da octogenária: “Agora, sim, vi tudo”. E a alma parte em paz.

Lembrei-me do “agora, sim, vi tudo” por causa de um artigo que saiu no "Journal of Medical Ethics", «After-birth abortion: why should the baby live?» (“Aborto pós-parto: por que devem os bebés viver?”; full text aqui; pdf aqui), que diz que não há diferença substancial entre matar uma criança após o nascimento e fazer um aborto.

Concordo em absoluto com a afirmação. Não concordo é com a consequência que vem a seguir: da licitude matar os bebés nos primeiros dias de vida. Não se tata de infanticídio, mas, dizem, de “aborto pós-parto”. Agora, sim, vi tudo (ainda que na próxima semana haja mais, por exemplo, a legalização do aborto pós-parto).

Alberto Giubilini e Francesca Minerva argumentam que “os recém-nascidos e os fetos são moralmente equivalentes” e que uns e outros são meramente “pessoas potenciais”. O "meramente" é meu, para desvalorizar o "pessoas potenciais", como se ser "pessoa em potência" (regressou Aristóteles?), admitindo por hipótese que o feto/recém-nascido seja só isso, esteja ao alcance de qualquer coisa.

Claro que eles não são a favor do uso generalizado do aborto pós-parto, mas acham que deve ser admitido nos casos de bebés com doenças e malformações não detetadas durante a gravidez ou no caso de pais que não têm condições psicológicas ou materiais para cuidar do bebé – o que dá para tudo. E recusam-se a dizer um prazo a partir do qual já não é lícito fazer o aborto pós-parto. Um ano? Até dizerem a palavra “Eu”? Até tirarem um curso superior? O centro da argumentação é que os acabados de nascer não têm estatuto moral semelhante ao dos adultos porque não têm consciência da sua própria existência.

Fez-me lembrar a argumentação de Eduardo Prado Coelho na altura do referendo de 98. Citando um filósofo inglês – não devia ter encontrado nenhum francês a dizer o mesmo –, apontava uma série de condições para alguém ser pessoa, logo, não abortável. Na altura comentou-se entre amigos que havia muita gente, na política, no espetáculo, não sei se na Igreja, que não garantia as cinco condições, já que pelo menos uma delas implicava o domínio de altos conceitos filosóficos…

Exatamente por causa da equivalência moral entre fetos e recém-nascidos é que o aborto devia ser desaconselhado em qualquer momento da gravidez. E claro, na pós-gravidez.

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