"Phoebe Buffay"
Num divertido episódio da série “Friends”, Phoebe (aquela de
“Smelly cat”, que inspirou os Gato Fedorento), viu encarnar em si a alma de uma
idosa acabada de morrer enquanto lhe fazia uma massagem. O corpo tinha morrido, mas a alma não queria partir
porque ainda não tinha visto tudo. Como faltava algo, Phoebe passeou a alma de
senhora por tudo quanto era sítio em Nova Iorque. Mas a alma nunca mais partia.
Com a trama própria de uma série muito bem feita (o Google permitiu-me agora
mesmo saber que se trata do episódio 11 da 2.ª série), enquanto Phoebe passeia,
prepara-se um casamento. Phoebe vai ao casamento de duas lésbicas e após o
“sim” de ela e ela, ouve-se Phoebe dizer pela alma da octogenária: “Agora, sim, vi tudo”. E a
alma parte em paz.
Lembrei-me do “agora, sim, vi tudo” por causa de um artigo
que saiu no "Journal of Medical Ethics", «After-birth abortion: why should the
baby live?» (“Aborto pós-parto: por que devem os bebés viver?”; full text aqui; pdf aqui), que diz que
não há diferença substancial entre matar uma criança após o nascimento e fazer
um aborto.
Concordo em absoluto com a afirmação. Não concordo é com a
consequência que vem a seguir: da licitude matar os bebés nos primeiros dias de
vida. Não se tata de infanticídio, mas, dizem, de “aborto pós-parto”. Agora, sim, vi tudo (ainda que na próxima semana haja mais, por exemplo, a legalização do aborto pós-parto).
Alberto Giubilini e Francesca Minerva argumentam que “os
recém-nascidos e os fetos são moralmente equivalentes” e que uns e outros são meramente “pessoas potenciais”. O "meramente" é meu, para desvalorizar o "pessoas potenciais", como se ser "pessoa em potência" (regressou Aristóteles?), admitindo por hipótese que o feto/recém-nascido seja só isso, esteja ao alcance de qualquer coisa.
Claro que eles não são a favor do uso generalizado do aborto
pós-parto, mas acham que deve ser admitido nos casos de bebés com doenças e
malformações não detetadas durante a gravidez ou no caso de pais que não têm
condições psicológicas ou materiais para cuidar do bebé – o que dá para tudo. E
recusam-se a dizer um prazo a partir do qual já não é lícito fazer o aborto
pós-parto. Um ano? Até dizerem a palavra “Eu”? Até tirarem um curso superior? O
centro da argumentação é que os acabados de nascer não têm estatuto moral
semelhante ao dos adultos porque não têm consciência da sua própria existência.
Fez-me lembrar a argumentação de Eduardo Prado Coelho na
altura do referendo de 98. Citando um filósofo inglês – não devia ter
encontrado nenhum francês a dizer o mesmo –, apontava uma série de condições
para alguém ser pessoa, logo, não abortável. Na altura comentou-se entre amigos
que havia muita gente, na política, no espetáculo, não sei se na Igreja, que
não garantia as cinco condições, já que pelo menos uma delas implicava o
domínio de altos conceitos filosóficos…
Exatamente por causa da equivalência moral entre fetos e
recém-nascidos é que o aborto devia ser desaconselhado em qualquer momento da
gravidez. E claro, na pós-gravidez.
Sem comentários:
Enviar um comentário