sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Os bons e os maus ateus



Ainda a propósito de Christopher Hitchens, veja-se este texto de Giacomo Galeazzi no “Vatican Insider”, aqui traduzido. Acontece, de facto, que os crentes são mais capazes de dialogar com os ateus abertos (alguém já lhes chamou “mancos”, porque lhes falta qualquer coisa e é nessa qualquer coisa que se encontram com os crentes) do que com os ateus missionários, os que combatem militantemente a fé/religião. Os bold são meus.

E Hitchens ficou de fora do Átrio dos Gentios. Faltou o convite do Vaticano para um intelectual anticonformista e um espírito livre. No post Consigli a un giovane ribelle do seu blog Parola & Parole, o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Conselho Pontifício para a Cultura conta: "Eu não consegui convidar Hitchens para entrar no Átrio. Teria me agradado a ideia de dialogar com [ele] fora de polêmicas e atitudes preconcebidas, isto é, como methórios, assim como definia o sábio Filão de Alexandria".
E, acrescenta, "é precisamente essa a ideia do Átrio dos Gentios: um espaço aberto à luz, em que se encontram e se desencontram o absurdo e o mistério, a pura racionalidade e o 'Tu Desconhecido'. Espero que a morte tenha sido para ele 'uma porta que se escancara e irrompe o futuro', retomando o aforismo de Graham Greene que ele tanto gostava de citar. Seria, para ele, como entrar em uma nova infância".
O purpurado parte de uma referência a outro grande laico: "Para Mitterrand que perguntava: 'Em cinco minutos, diga-me a substância da sua experiência de filósofo', Jean Guitton respondia: 'É a escolha entre duas soluções: o absurdo e o mistério'". E, especifica o cardeal, "Christopher Hitchens tinha escolhido a primeira solução, denunciando a religião como 'a principal fonte do ódio neste mundo'. Insistia Mitterrand: 'Mas qual é a diferença? O mistério também parece absurdo'. E Guitton: 'Não, o absurdo é um muro impenetrável contra o nos batemos em um suicídio. O mistério é uma escada: sobe-se de degrau em degrau rumo à luz, esperando'", para depois concluir: "Como homem de fé, a minha esperança é de ver o jovem rebelde voltar-se à luz e subir de degrau em degrau até o oceano de amor em que todo o ódio do mundo imerge". 
Porém, com apenas dois meses de vida pela frente, o polemista britânico Christopher Hitchens desferiu um último e duro ataque contra o Vaticano, acusando-o de cumplicidade com os regimes totalitários dos anos 1930 na Europa. Hitchens, ateu militante até a sua morte na semana passada [15 de dezembro] por causa de um tumor no esôfago, defendeu, na última entrevista com Richard Dawkins na New Statesman, que todo governo fascista da Europa daquela época era, na realidade, um "partido católico de extrema direita". 
Para Hitchens, autor de Deus não é Grande, "quase todos esses regimes chegaram ao poder com a ajuda do Vaticano e com a compreensão da Santa Sé". O polemista defendeu as suas posições como uma batalha contra todo totalitarismo, seja de direita, seja esquerda: "O totalitarismo para mim é o inimigo: aquele que quer ter o controle sobre o que você pensa, não só sobre as suas ações e os seus impostos. E a origem disso é teocrática". 
Não foi apenas Hitchens que ficou de fora do Átrio dos Gentios. Outros ateus ilustres ficaram de fora: por exemplo, Richard Dawkins, Piergiorgio Odifreddi e Michel Onfray. Odifreddi também escreveu um longo artigo em que manifestou seu próprio desacordo: "Na visão não só de Ravasi, mas de toda a Igreja Católica – escreveu – há ateus 'bons' e ateus 'maus'. Os melhores dentre os bons são aqueles como Cacciari: isto é, aqueles que não são ateus por nada e servem como útil cobertura laicista nos debates entre aqueles que acreditam abertamente e aqueles que acreditam de forma escondida. Se esse juízo parece impiedoso, basta olhar no YouTube o recente vídeo de Massimo Cacciari e Piero Coda em diálogo. Aqui, diálogo significa, na realidade, monólogo do primeiro, inserido entre duas frases do segundo. E qualquer um pode julgar por si só se as palavras de Cacciari sobre a Trindade são as de um ateu ou de um perfeito crente, como, aliás, confirma a opinião do teólogo. É óbvio que o cardeal Ravasi prefere escolher como interlocutores, para a passarela do Átrio dos Gentios, filósofos crentes em vez de matemáticos ateus. Até porque com os primeiros ele pode livremente desviar o discurso sobre assuntos como vida e morte, bem e mal, amor e dor, verdade e mentira, liberdade, solidariedade, bioética, medicina, economia".

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