quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Montesinos e Romero, profetismo e política



Por estes dias, nos 500 anos do sermão de Montesinos contra a exploração dos índios, tem-se falado muito de teologia da libertação, até porque foi há 40 anos que Gustavo Gutiérrez publicou “Teología de la Liberación”.

Jesús Espeja, dominicano como Montesinos e (agora) Gutiérrez, escreveu sobre o profetismo e a política no jesuíta Romero, recordando Montesinos. Não sou propriamente adepto da teologia da libertação; todas têm de ser da libertação; se não forem, se forem da opressão, não são cristãs. Mas é preciso admirar os bons exemplos de presença cristã na sociedade. Por outro lado, o texto tem bons princípios para a acção política do cristão.  
O sermão de Montesinos foi a expressão de alguns missionários que, vendo as vexações desumanas dos colonos contra os índios, se deixaram impactar e levantaram sua voz: "Acaso estes não são homens? Como os tendes tão oprimidos e fatigados? Não estais obrigados a amá-los como a vós mesmos?". Logicamente, sua denúncia tinha um impacto político; exigia uma mudança de mentalidade e de estruturas na organização da sociedade. A mudança punha em perigo os interesses econômicos dos encomenderos espanhóis que reagiram tentando silenciar, por todos os meios, a voz profética. 
Por muito tempo, manteve-se nos manuais de história uma lenda negra sobre aquele gesto dos dominicanos na La Española, que depois o Frei Bartolomé de Las Casas moldou em sua prática evangelizadora. 
Anos atrás, foi notícia o assassinato de Óscar Arnulfo Romero, arcebispo de San Salvador, que, em um dia de 1980, foi premeditadamente eliminado enquanto celebrava a Eucaristia. Quando eu li suas homilias e escritos detidamente, eu já conhecia um pouco a situação em El Salvador e em outros povos da América Latina. Esse conhecimento logo me ajudou a entrar em sintonia com a preocupação e o pensamento do bispo mártir. 
Impressionou-me especialmente a sua lucidez sobre a dimensão política da fé em uma conferência que ele deu na Universidade de Louvain, pouco antes de lhe arrancarem a vida. No entanto, pouco depois desse crime lamentável, eu assisti a uma conferência em que um alto cargo eclesiástico fazia este comentário: "É uma pena a morte sacrílega de Dom Romero que era um bispo. Mas o problema foi que ele se meteu na política". Eu não sei se fiz bem ficando em silêncio, mas não pude digerir aquele diagnóstico tão simplista e falso. 
Passados já vários anos, vendo como tanto na América Latina quanto no próprio coração da nossa sociedade espanhola os pobres são cada vez mais irreverentemente coisificados e excluídos, vejo que a denúncia de Montesinos e a de Dom Romero, embora em uma situação histórica e cultural diferente, responde ao mesmo espírito evangélico: "Acaso estes não são homens?", gritava Montesinos. "A dignidade humana acima de tudo", "pare a repressão!", era o grito profético de Dom Romero. 
A Igreja continua proclamando que "o profundo estupor com relação ao valor e à dignidade do ser humano se chama Evangelho". Mas a prática de acordo com essa convicção necessariamente deve ter uma incidência política. É verdade que a missão da Igreja não é diretamente política, mas sim religiosa. Mas como ser testemunhas do Deus revelado em Jesus Cristo, cuja imagem é todo ser humano, senão ouvindo a voz das vítimas, defendendo sua dignidade como pessoas e entrando assim em conflito com estruturas e e com aqueles que provocam a situação injusta ou não fazem o possível para mudá-la? 
A Igreja, que nunca deve se identificar com nenhum partido político, não pode ficar de braços cruzados quando se nega a dignidade e os direitos fundamentais das pessoas. E a questão não é só que os bispos falem, nem que alguns cristãos, a partir de sua cadeira no Congresso, tentem gerenciar a política, buscando que todos possam gozar dessa dignidade. O desafio é para todos os batizados. 
Uma conduta, desvinculada da cobiça insaciável, cujos valores máximos são a diversão e o consumo. Uma conduta que respire os sentimentos de Deus, manifestados no Natal: profundo estupor perante a dignidade do ser humano, compaixão eficaz perante o sofrimento das vítimas, atitude do bom samaritano que põe em jogo todas as seguranças para levantar os humilhados e ofendidos. Nessa conduta, é inevitável a incidência política da fé cristã.
Copiado daqui.

1 comentário:

Anónimo disse...

Temos de ser realistas. Quantos são os nossos políticos (e a maior parte cristãos)que muitas vezes não dão a cara? E às vezes são parte do problema - ordenados inaceitáveis. No mundo ocidental e particularmente estamos num período escasso de bons exemplos. Reina a hipocrisia muitas vezes em muitos cristãos e com altas responsabilidades. Que autoridade moral tem cavaco Silva em falar em pobres quando ele e muitos outros estão "podres" de dinheiro. Em Portugal os nossos bispos pede-se-lhes que dêem exemplos concrectos e não palavras às vezes descontextualizadas. Isto faz-me lembrar o Pe Vítor Milícias que aparece e o convidam tanto para programas telivisivos e depois o que se vê: anda num BMW - alta cilindrada - e tem motorista. Hoje no Canal 1 vi também um bispo a falar. Pelo que me dizem é muito apreciado pelas suas qualidades humanas e sobretudo a simplicidade. Deixou um apelo a nós Igreja para sermos como a Igreja Nascente

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