Passei uma parte da tarde a ler “No Castelo do Barba Azul”, de George Steiner, que tem como subtítulo “Algumas notas para a redefinição de cultura”. O final da segunda parte (de quatro) detém-se sobre três “reivindicações do ideal” (a expressão é de Ibsen), três estádios “profundamente interligados”, nos quais “a consciência ocidental é forçada a haver-se com a chantagem da transcendência”, todas elas relacionadas com os judeus: Moisés e o monoteísmo, Jesus e o cristianismo primitivo e o socialismo messiânico.
Escreve a certa altura Steiner, num texto todo ele bom para o contexto pascal que estamos a viver:
O genocídio que teve lugar na Europa e na União Soviética durante o período de 1936-1945 (o anti-semitismo soviético talvez seja a expressão mais paradoxal do ódio e da realidade pela utopia fracassada) foi muito mais do que uma táctica política, uma erupção do mal-estar da classe média inferior, ou um produto do capitalismo decadente. Não foi um mero fenómeno económico – social e secular. Actualizou um impulso tendendo para o suicídio da civilização ocidental. Foi uma tentativa de nivelar o futuro – ou, mais precisamente, de tornar a história comensurável com a crueldade natural, o torpor intelectual e os apetites materiais de uma humanidade que não se transcende a si própria. Se nos servirmos de uma metáfora teológica, e não temos por que nos desculpar por isso num ensaio sobre a cultura, poderemos dizer que o holocausto assinala uma Segunda Queda. Podemos interpretá-lo como um abandono voluntário do jardim e uma tentativa pragmática de queimar o jardim atrás de nós. Sem o que a sua memória continuaria a infectar a saúde da barbárie com os seus sonhos debilitantes ou os seus remorsos.
Com a tentativa falhada de matar Deus e a tentativa quase conseguida de matar aqueles que O tinham “inventado”, a civilização entrou, justamente conforme a previsão de Nietzsche, “na noite cada vez mais noite”.
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