segunda-feira, 14 de março de 2011

Contradição crucial no livro de Ratzinger / Bento XVI?


O teólogo italiano Vito Mancuso escreveu uma análise do livro do Papa análise no “La Repubblica” (11-03-2011) deveras estimulante e, à falta de outra palavra, provocadora.
Penso que se pode resumir assim:

1. O Papa tem uma intenção clara na sua cristologia (entendamos por isto o pensamento sobre Jesus Cristo, patente, para já, nos dois volumes), que é mostrar a continuidade entre o Jesus histórico e o Jesus eclesial, em defesa da tradição da Igreja e contra os (teólogos e exegetas) que realçam a descontinuidade entre o Jesus que viveu na Palestina e que morreu na cruz e aquela que a Igreja proclama como o Cristo. Para isso, diz que narração evangélica = história real.

2. Porém, num ponto fulcral, a condenação à morte, quando analisa os três evangelhos (Marcos, Mateus e João, já que Lucas não difere muito de Mateus), é forçado a concluir que : narração evangélica ≠ história real. Diferente porquê? Porque para João, foi a aristocracia do templo que condenou Jesus; para Marcos, foram os defensores de Barrabás; para Mateus, foi "todo o povo" – com as consequências históricas catastróficas que se conhecem. Obviamente não poderia ter sido “todo o povo”. Nos evangelhos há já interpretação. “Se essa incerteza vale para um dos eventos centrais da vida de Jesus, com maior razão para os outros”, remata Mancuso, que, suponho, como muitos, com certeza que aguardará com ansiedade para ver como Bento XVI descalça a bota da pretensa historicidade dos evangelhos de infância no terceiro volume da sua cristolgia.

3. O que se conclui daqui? (Esta é a parte boa.) Cito: “A liberdade de cada evangelista para narrar a figura de Jesus é o símbolo da liberdade a qual todo cristão é chamado para viver a sua mensagem. Se até diante dos santos Evangelhos a liberdade do sujeito é chamada a intervir, discernindo aquilo que é verdadeiro daquilo que "seguramente não manifesta um fato histórico", segue-se que não existe nenhum âmbito da vida de fé em que a liberdade de consciência não deva ter o primado”.

O facto de um Papa escrever um livro teológico sobre se Jesus, se for para provocar o debate, se provocar a reflexão de outros teólogos como provocou a de Vito Mancuso, sem seguidismos cegos, é óptimo. O texto de Vito Mancuso pode ser lido em português aqui.

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois. Qualquer que seja a imagem que tenhamos de Jesus, ela será inevitavelmente provisória. É um esboço. O nosso. Agrada-me a honestidade intelectual de Bento XVI.

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