terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

"Deus não é mesmo cristão. Felizmente"

No P2 de hoje vem uma entrevista a Elias Chacour, arcebispo católico-melquita da Galileia, feita por António Marujo. É útil para compreender o que se passa com os cristãos e os palestinianos em Israel, já que as informações que de lá nos chegam quase sempre sofrem na passagem do filtro ideológico anti ou pró-Israel. Deixo alguns excertos que apreciei de modo especial. A entrevista pode ser lida toda aqui. Como dentro de algum tempo fica inacessível, está também nas imagens ao fundo.

(…) Deus não é melquita nem católico nem ortodoxo?
Até diria mais: Deus não é mesmo cristão. Felizmente. Senão, que cristão seria? Um cristão reformado, re-reformado ou ainda não reformado? Deus está acima disso. (…)

Os católicos, em Israel, são árabes mas não muçulmanos, israelitas mas não judeus, católicos mas não de rito latino, orientais mas não ortodoxos. Minoritários em tudo...
Sim, mas se perdermos o tempo a perguntar o que não somos, será uma existência muito triste. Se perguntarmos o que podemos fazer no interior desta grande diversidade, em vez de ver o negativo, começamos a ver o potencial. É belo ser diferente mas complementar. (…)

A questão, em 1940, não foi a de criar dois estados, no início?
Ninguém pensava em dois estados. Ninguém pensava mesmo no Estado de Israel. Israel expulsou os palestinianos das suas cidades, das suas terras e propagandeou que os palestinianos não existiam. Mas nós estávamos cá, eles preferiram ser míopes. Há a famosa frase de Theodore Herzl: "Uma terra vazia deve pertencer a um povo que não tem Estado." A assistente dele disse-lhe que a Palestina era superpovoada. Ele respondeu: "Devemos ser míopes, fazer como se não houvesse ninguém". (…)

Não há líderes comprometidos com a não-violência?
Os líderes que podem representar os palestinianos estão na prisão, seja nas prisões árabes, seja nas prisões israelitas. Não nos faltam líderes, falta-nos liberdade para que os líderes possam agir, falta liberdade de expressão dos palestinianos.

Falta uma figura como Mandela, Gandhi, Luther King, Desmond Tutu?
Talvez. São figuras de referência. Uma vez, estive com Tutu, num jantar com o [então] Presidente [norte-americano James] Carter. Ele disse-me subitamente: "Padre Chacour, tenho muito mais sorte que o senhor, porque sou um negro da África do Sul. Os brancos não queriam expulsar-nos, queriam que fôssemos seus escravos e nós recusámos. A vocês, Israel não queria que vocês fossem os seus escravos, queria que desaparecessem. Por isso temos mais esperança". E ele tinha razão. (…)

Na Igreja Melquita, há pessoas casadas que se tornam padres...
A nossa é uma igreja oriental, bizantina. Estamos em comunhão com Roma. Mas temos 17 padres, num total de 30, que são casados. São muito bons, muito dedicados. Sinto-me muito orgulhoso deles.

Num dos seus livros, diz que o seu ideal é secar as lágrimas a cada judeu, cada muçulmano, cada cristão. Continua a ser?
Desejo verdadeiramente não ver nenhum judeu, nenhum muçulmano ferido ou a chorar. Porque quem chora é um homem, que é imagem de Deus. Queria colocar um sorriso no lugar do medo, um sorriso de esperança no lugar do desespero.

E essa esperança é possível ainda? Em breve?
Claro que sim. Espero que o mais cedo possível.


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