Horta vertical
Timothy Radcliffe, o.p., em “Ir à Igreja porquê?”, nota que “as pessoas que contactam com a terra e com o milagre anual da fertilidade raramente são ateias. Contudo, num supermercado, os vegetais são revestidos de plástico e tornam-se mais produtos do que dons”.
No ambiente cada vez mais urbano em que vivemos (note-se, no entanto que a expansão dos cristianismo nascente foi essencialmente urbana), tudo é construído pelas mãos humanas, há mais bulício, menos silêncio, menos abertura à gratidão. António Alçada Baptista, salvaguardando que não tinha grandes sentimentos bucólicos, dizia que “é necessário saber deitar as coisas na terra e sentir que elas crescem e levam tempo a crescer”, porque há toda uma “abissal distância entre plantar uma couve e escrever um ofício numa repartição”.
Radcliffe conta uma história elucidativa:
Quando Oshida orientava um retiro aos bispos asiáticos, mandava-os para aos arrozais, nos primeiros dias, para plantarem arroz, e recusava-se a deixá-los parar por causa das dores de costas e de joelhos. Escreveu ele: “Um camponês que trabalha duramente, desde a aurora até ao crepúsculo, sabe que um grão de arroz não é um produto seu, uma coisa feita pelo seu próprio esforço, mas algo que lhe é dado, por Deus. Deve oferecer o grão de arroz a Deus que está oculto, mas que tudo dá. Deve dizer: ‘Isto é vosso’”.
Não admira, por isso, que em algumas cidades estejam a surgir hortas, ou que de vez em quando volte a moda dos bonsais, ou que alguns criem jardins nas varandas. Na realidade, mais do que da economia da horta e da estética das varandas, precisamos de escutar o crescimento demorado e silencioso que é sempre uma dádiva de algo que nos ultrapassa.
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