terça-feira, 21 de setembro de 2010

O dia em que o Papa abalou os alicerces do mito protestante da Grã-Bretanha

Texto de Damian Thompson publicado nos blogues do Telegraph (aqui), traduzido para português do Brasil por Moisés Sbardelotto (aqui) e reproduzido agora com pequenas adaptações. É um dos muitos que por estes dias têm surgido na imprensa algo-saxónica de estupefacção (positiva) pela visita de Bento XVI.


Como é estranho que tenha sido o jornal “The Guardian” [diário britânico conotado com a esquerda] a compreender a magnitude do que aconteceu nesta sexta-feira [18 de Setembro]. Andrew Brown, editor de religião e possuidor de um intelecto tão poderoso e confuso como o de Rowan Williams [arcebispo de Cantuária, primaz anglicano], escreve:

“Este foi o fim do Império Britânico. Em todos os quatro séculos de Isabel I a Isabel II, a Inglaterra foi definida como uma nação protestante. Os católicos eram os Outros, às vezes terroristas violentos e rebeldes, às vezes meros imigrantes sujos. A sensação de que esta era uma nação especialmente abençoada por Deus surgiu a partir de uma leitura profundamente anticatólica da Bíblia. No entanto, ela foi central para a autocompreensão inglesa quando a rainha Isabel II foi coroada em 1952 [sic], e jurou defender a religião protestante pela lei estabelecida.

Em todos esses 400 e tal anos, teria sido impensável que um Papa pudesse estar no Westminster Hall e louvar Sir Tomás Moro, que morreu para defender a soberania do Papa contra a soberania do rei. A rebelião contra o Papa foi o acto fundacional do poder inglês. E agora esse poder foi-se, e talvez a rebelião também”.

Esse foi, realmente, um dia de eventos impensáveis. Muitos protestantes ficaram perturbados ao ver o Papa Bento XVI no Westminster Hall louvando São Tomá Moro (que aliás morreu para defender o que ele via como a soberania de Deus). Eu não concordo, no entanto, que a rebelião contra o Papa foi o “acto fundacional do poder inglês”. Brown é um agnóstico de esquerda de quem esperamos que desconfie de um mito nacional.

Mas aqui vamos nós de novo – contaram-nos que a Inglaterra descobriu a sua identidade como resultado da Reforma. Na verdade, a indústria e a cultura inglesas floresceram sob o patrocínio espiritual de Roma. Se o país tivesse permanecido católico, elas teriam continuado a florescer. (Na Alemanha, cidades que permaneceram católicas eram tão prósperas quanto as que se tornaram protestantes).

Na verdade, se quisermos provas da autoconfiança da nossa identidade nacional católica, procuremos na Abadia de Westminster e no Westminster Hall. Pelo menos nos primeiros 500 anos da sua existência – não podemos ter certeza de quando foi fundada – , a Abadia foi obediente aos antecessores de Bento XVI.

Assim, o facto de o Papa entrar hoje [dia 18 de Setembro] na Abadia foi uma afirmação do seu próprio "acto fundacional". Não foi por acaso que ele apontou no seu discurso que a Igreja era dedicada a São Pedro. Mesmo os católicos que nunca seriam tão rudes ao ponto de dizerem "a Abadia pertence-nos a nós, não a vocês" sentiram que a história estava a ser de alguma forma reequilibrada. Eles perceberam que o Papa tinha tanto direito de se sentar nesse santuário quanto o arcebispo de Cantuária (que, na verdade, mostrou ao Santo Padre um grau de respeito que implicava que ele, pelo menos, reconhecia a primazia espiritual da Sé de Pedro mesmo que rejeite alguns de seus ensinamentos).

É claro que eu não estou a negar que durante séculos o anticatolicismo foi central para a autocompreensão inglesa, mesmo que tenha levado quase um século de ataques e de perseguições para suprimir a velha religião. E ainda há bolsas de intenso ódio a Roma na sociedade inglesa de hoje. A diferença é que os únicos anticatólicos com influência são os secularistas que não estão suficientemente interessados nas reivindicações papais ao ponto de descobrirem o que significam. (Estou a pensar no documentário surpreendentemente ignorante de Peter Tatchell para o Channel 4). Eles odeiam a religião e atormentam os católicos, porque são o alvo mais frágil.

Os anticatólicos protestantes, em contrapartida, não têm amigos nos meios de comunicação social nem aliados úteis na Igreja da Inglaterra Tudo o que eles podem fazer é ver, horrorizados, como o Papa de Roma entra em procissão onde os monarcas protestantes são coroados, declara sem ambiguidades que é ele o sucessor de São Pedro, com responsabilidade pela unidade da Cristandade, e depois sai – sob um afectuoso aplauso.

Na verdade, ainda não estou completamente certo do que fazer com tudo isso. Os discursos de Bento XVI valem a pena ser lidos várias vezes. Muitas vezes acabam por ser mais radicais do que pareceram à primeira vista. Mas uma coisa é certa. Apesar da cortesia despretensiosa dos modos do Papa, ele não cedeu um milímetro.

2 comentários:

O Ancião disse...

Confesso que fico profundamente incomodado com as contínuas vezes que acho neste blog o termo "português do Brasil". Português é português, a despeito da sdiferenças regionais.

Jorge Pires Ferreira disse...

Caro Ancião,

sinto necessidade de adaptar textos em português (do Brasil) para português (de Portugal), mas isso não significa qualquer desconsideração pela variante do outro lado do Altântico. Eu estou do lado europeu e sei que faço parte da minoria que fala esta variante de português (10 milhões contra 190, 200 milhões). E sei que o futuro é o Brasil. E aprendi com uma professora de linguística que o português mais falado (ou seja o do Brasil) conserva traços do português dos séc. XVI e XVII que se perderam em Portugal. E em alguns sítios na Internet, quando se escolhe a língua portuguesa clica-se numa bandeira brasileira.
Mas tudo isso não impede que sinta algum desconforto em colocar no meu blogue textos que seguem a norma brasileira, mesmo que em alguns aspectos sigam o acordo ortográfico que também nós (os de Portugal) teremos de seguir, contendo palavras como "ação" e "projeto".
Mas se faço essa adaptação, é porque admito que qualquer pessoa do Brasil poderia eventualmente adaptar um texto meu que quisesse copiá-lo para o seu blogue. E porque em geral os autores portugueses são adaptados quando são publicados no Brasil (estou a pensar, por exemplo, no colunista João Pereira Coutinho, na "Folha").
Vejo-me forçado a adaptar, porque, para nós, por exemplo, termos como Irã, polonês ou danês (Irão, polaco, dinamarquês) são de facto muito estranhos. Não impedem que eu leia muito na variante brasileira. Mas quando se trata de algo pessoa, tendo a adaptar.

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