O Papa reconheceu a caminho de Edimburgo que o combate à pedofilia dos sacerdotes não foi eficaz. O Vaticano e os bispos não foram suficientemente “vigilantes, velozes e decisivos”.
Se a solução está na vigilância, velocidade e decisão, temo que os casos se perpetuem. Se a actuação do Vaticano e dos bispos incide sobre a repressão – é o que as palavras permitem concluir –, pouco se avançará.
Na realidade, podemos perguntar por que é que tantos não foram vigilantes, velozes e decisivos. O Vaticano não tem possibilidade de ser vigilante, veloz e decisivo para o mundo inteiro. Só sabe o que lá chega. Só é vigilante na medida em que os bispos o são. E por que é que os bispos não foram vigilantes, velozes e decisivos nestes casos todos? Não foram porque não querem nem podem ser. Se o bispo é pai da diocese e dos seus padres, como o padre é pai da sua comunidade – é o que os católicos entendem dos seus pastores, apesar da exortação de Mateus 23 (“Não chameis pai ninguém…”) –, como poderá o bispo denunciar os seus próprios filhos? Não pode, ainda que etimologicamente "bispo" provenha de uma palavra grega que significa algo como supervisor, aquele que vê por cima... vigilante.
O jesuíta Xavier Dijon escreveu na “Civiltà Cattolica” (revista dos jesuítas italianos e que funciona quase como órgão oficial do Vaticano) que entre um bispo e um padre existe um vínculo comparável ao que une os familiares e, desta maneira, “não é justo” impor-lhe a obrigação da denúncia à justiça nos casos de abusos sexuais.
Não faz sentido aplicar a obrigação da denúncia “a pessoas da Igreja relacionadas por um vínculo que resulta digno de consideração até para as autoridades civis” (li aqui).
E D. Manuel Martins, bispo, emérito de Setúbal – sabe com certeza o que significa ser bispo para os padres – escreveu no “Página 1” (17-09-2010), da Rádio Renascença: “O bispo vê-se nos seus padres, gosta deles como filhos ou irmãos, procura todos os meios para estabelecer com os padres uma relação de natural e agradável amizade, dá-lhes sempre o primeiro lugar no calendário das suas preocupações. Ele sabe que nos seus planos pastorais pode ter que deixar muitas alíneas para se encontrar pessoalmente com os seus padres. Os encontros canónicos podem ser pouco. A maior desgraça que pode acontecer a um pai é perder o coração do filho. Se as coisas acontecerem assim, o padre sente o bispo consigo, gosta de encontrar, não foge dele”.
Perante isto há solução possível para a crise da pedofilia? O que o Papa disse serve? A meu ver, não. Com uma igreja clerical que exige a consagração da sexualidade dos seus pastores, o bispo não pode ser polícia do padre a quem impõe as mãos e consagra. Esta crise mina a identidade sacerdotal católica.
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