Texto de Anselmo Borges no DN de hoje (18 de Setembro de 2010):
Ainda não a li, mas posso supor que a nova obra de Stephen Hawking, escrita em conjunto com o físico norte-americano Leonard Mlodinow, “The Grand Design” (“O grandioso plano”), terá um êxito enorme, como há anos aconteceu com o seu bestseller “A Brief History of Time” (“Uma breve história do tempo”).
Hawking, que sofre há décadas dessa terrível doença do foro neurológico que dá pelo nome de esclerose lateral amiotrófica, é um astrofísico de renome mundial, detentor até há pouco da célebre Cátedra Lucasiana de Matemáticas da Universidade de Cambridge, outrora ocupada por Isaac Newton, e que deu contributos fundamentais no domínio da física teórica, nomeadamente em questões de cosmologia, buracos negros e gravitação quântica.
Nesta obra, afirma que as novas teorias da física podem explicar de modo cabal o aparecimento do universo, tornando supérfluo o papel de um Deus criador. Segundo “The Times”, escreve que, "o universo pôde criar-se a si mesmo - e de facto fê-lo - do nada. A criação espontânea é a razão de existir algo, de existir o universo, de existirmos nós". Concretamente, a descoberta do primeiro planeta extra-solar ajudaria a desmontar a visão de Newton, que afirmava o Deus criador, pois o universo não poderia surgir do caos. A descoberta abre a possibilidade de outros planetas e outros universos, que seriam redundantes, se a intenção de Deus fosse criar o homem.
Estas afirmações de Hawking percorreram mundo e foram saudadas concretamente pelo bem conhecido biólogo e ateu militante Richard Dawkins, que declarou que "o darwinismo expulsou Deus da biologia, mas na física persistiu a incerteza. Mas agora, Hawking deu-lhe o golpe de misericórdia".
Remetendo para tudo quanto tenho aqui escrito sobre o tema, gostaria de fazer uma reflexão breve sobre os dois pontos em causa: um referido à religião e o outro à ciência.
Quero lembrar que frequentemente a razão de becos sem saída neste domínio se situa na própria compreensão da religião.
Por exemplo, houve por vezes uma leitura literal do Génesis, que relata a criação do universo e do homem. É evidente que essa leitura só pode levar a posições ridículas. Exemplos disso são a datação do começo do universo há 6000 e poucos anos - assim pensou o bispo Ussher -, o primitivismo do aparecimento de Adão a partir da modelação do barro, a história da costela para o aparecimento de Eva, a incompatibilidade da criação e da evolução.
Hoje, felizmente, tomou-se consciência de que a Bíblia não é um livro de ciência, mas um livro religioso e o que se refere à criação é um mito, mas um mito que dá que pensar, como disse Paul Ricoeur. A sua finalidade é dar uma resposta de fé à pergunta do porquê e para quê últimos do universo e do homem: devem a sua existência, em última instância, ao desígnio do Deus pessoal e transcendente, que cria por amor a partir do nada.
O outro ponto da reflexão diz respeito à ciência. É claro que a ciência metodicamente não precisa de Deus. Por outro lado, não tem capacidade nem para afirmar nem para negar a sua existência.
Quando um cientista quer, a partir da ciência, afirmar que não há Deus, contradiz-se e entra em paralogismos, pois ultrapassa as suas competências enquanto cientista. De facto, a ciência não pode fazer afirmações sobre a realidade na sua ultimidade. Por exemplo, há Deus ou não?, o homem é livre?, com a morte acaba tudo ou a vida continua? A razão dessa impossibilidade está em que estas questões não são enquadráveis no método empírico-matemático, não são objecto de experimentação.
Religião e ciência são perfeitamente compatíveis, desde que respeitem os seus domínios de competência. A religião não tem respostas para questões científicas. A ciência não responde à problemática dos valores e a questões como: porque há algo e não nada?, qual é o sentido último da existência?
Assim se compreende que haja cientistas agnósticos, ateus e crentes. Também os crentes não habitam todos no asilo da ignorância e da superstição.
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