domingo, 18 de julho de 2010

Ciência e religião em conflito na Idade Média


Alexandre Dorozynski
O Papa, o Bispo e o Filósofo. Conspiração e morte na Sorbonne
Paulinas
222 páginas

O filósofo é Siger de Brabante, professor na Faculdade de Artes (isto é, Humanidades e Filosofia) da Universidade de Paris. Para a história ficou conhecido como “averroísta”, ou seja, seguidor do filósofo muçulmano Averróis. Este, apoiado em obras aristotélicas, afirmava a eternidade do mundo, inclusive da humanidade. No romance, Siger de Brabante diz que apenas quer divulgar o que pensa o filósofo grego, sem entrar em contradição com a fé, mas, na história da Filosofia, o professor medieval é tido como defensor da “dupla verdade”. A “ratio” (a razão, a investigação do intelecto humano) podia chegar a conclusões diferentes do dogma cristão. Os dogmas eram “verdadeiros” (por exemplo, a criação do mundo a partir do nada, como nas primeiras páginas da Bíblia), enquanto as conclusões racionais, ainda que contraditórias, eram “necessárias” (eternidade do mundo, porque, como se dizia, do nada nada pode vir).
O bispo é Estêvão Tempier, de Paris, que em 1277 condena 219 proposições dos professores de Paris, sendo algumas delas de Siger de Brabante e outras de Tomás de Aquino (falecido em 1274). Como é sabido, mais tarde a filosofia de Tomás de Aquino, que consegue de forma magistral harmonizar a fides (fé, revelação divina) e a ratio, que não podem contradizer-se porque afirmam a mesma e única verdade, é reabilitada e torna-se filosofia oficial da Igreja católica.
O Papa é João XXI, o erudito Pedro Hispano, o único papa português. Segundo a história, também terá estudado em Paris, podendo ter sido colega de Tomás de Aquino e de Siger de Brabante. Certo é que, provindo da ciência (além de Teologia, era formado em Filosofia e Medicina e dominava a Óptica e diversas outras áreas científicas), não julgava que o conhecimento da razão (hoje diríamos científico) pusesse em causa a fé cristã. Pelo contrário, defendia um diálogo possível e necessário, como prova a carta dirigida ao bispo Tempier, que nunca obtém resposta. O Papa morre em 1277, vítima de um desmoronamento do Palácio de Viterbo, em obras. No romance, o acidente deve-se a um dos primeiros usos de pólvora, sendo perpetrado por uma espécie de irmandade que teme que o avanço das ciências ponha em causa a revelação cristã.
Este romance de ideias, com meia dúzia de assassínios pelo meio, apesar de algumas incongruências – por que é que o narrador, o jovem João Boulanger, não tenta libertar o seu mestre, Siger de Brabante, aprisionado após a morte do Papa português? – dá uma sugestiva panorâmica da Filosofia e Teologia na Idade Média.

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