Fernanda Câncio conta na “Notícias Magazine” de hoje, “a revista mais lida em Portugal”, a relação dela “com sacerdotes e quejandos”. Não se trata de nenhum trauma com a Igreja Católica. Ele esclarece-o logo de princípio. Mas não diz que não tem nenhuma obsessão, pelo que nos resta esta hipótese para explicar a sua fixação na Igreja, a católica, como é óbvio. Ela ainda não percebeu, aos trinta ou quarenta e tais anos, que quando alguém em Portugal diz “Igreja” está a referir-se à Igreja católica, mas percebeu aos três anos de idade que um dos sacerdotes que quem lidou trocava os vês pelos bês.
Ela não tem nenhum trauma. Eu costumo ler o DN aos domingos (que inclui a Notícias Magazine, que também sai no JN), à sexta e nos outros dias, pelo que, nos dias em que ela escreve, mesmo antes de chegar à página dela, antecipo: “Contra o quê da Igreja, a católica, como é óbvio, é que ela escreve hoje?” Nem sempre acerto. Por vezes não escreve contra a Igreja e os católicos. Às vezes defende o governo. Ou escreve contra a oposição. E uma ou outra vez escreve sobre deus (sempre com minúscula), a “família tradicional” (sobre a qual conclui na NM de 4 de Abril deste ano: “Portanto, se faz favor, deixem-se de merdas”), ou sobre o que a intriga desde miúda (coisas como a palavra “sozinho”, na NM de 28 de Fevereiro), revelando a sua precocidade. Portanto, ela não tem qualquer trauma. Talvez um dia se intrigue com a palavra “obsessão”, como se intrigou com a palavra “sozinho”, e se descubra obcecada. Mas isso não é trauma. Além de escrever contra a Igreja, não é raro contar as suas iluminações. Hoje revela que decidiu aos dez anos que não queria pertencer a deus – deus com minúscula. Embora não especifique de que Deus se trata, deverá estar a falar do católico. Mais uma precocidade.
Há crentes que dão maus exemplos. Como a Igreja disse no Vaticano II, há ateísmo provocado pelo mau testemunho dos (ditos) crentes. Mas Fernanda Câncio está entre os bons ateus, aqueles que se descredibilizam a eles próprios. Fazem favores aos crentes. A sua obsessão é factor de crédito para a Igreja. Haja muitos como ela. Se fosse crente, seria fundamentalista, como é fundamentalista sendo ateia. Vale muito um ateu que pela sua obsessão se rotula e descredibiliza. Para ser ateu como ela, não. Ensina-nos, por exemplo, que não se deve acreditar em padres que trocam os vês pelos bês e que escrevem folhetos com o título “Luís, porque não hei-de beijar-te” [tem um erro; correctamente escrito deveria ser: “Luís, por que não hei-de beijar-te”].
Aprendo muito com ela. Os ateus vulgares ensinam-nos sobre aquilo em que não devemos acreditar: as vulgaridades em que também eles não acreditam. Na verdade, é um ensino inútil, porque os crentes, em princípio, já não acreditam em nada disso. Os ateus profundos questionam as nossas crenças. Mas não temos essa sorte com a Fernanda Câncio.
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