Foi lançada, no passado dia 17, na Gulbenkian, a primeira tradução portuguesa do livro de Galileu Galilei (1564--1642) publicado há quatrocentos anos em Veneza, ‘Sidereus Nuncius’ (‘O Mensageiro das Estrelas’). A importância deste texto breve para a história do pensamento científico mereceu o enquadramento, no fechar do Ano Internacional de Astronomia. Espanta o tom simples, próprio de gazeta, da descrição maravilhosa do que Galileu acabava de observar, graças ao novo instrumento, o telescópio, criado pelos holandeses e aperfeiçoado pelo cientista.
As novidades que Galileu relata eram sensacionais e revolucionárias e catapultaram o professor universitário de Pádua, perito em mecânica, para pioneiro da astronomia moderna e permitiram-lhe conquistar o lugar de filósofo natural e matemático de corte, junto dos Medici, em Florença. Ainda hoje ficamos admirados com as gravuras e os esquemas, os power-point da altura, aos quais Galileu recorre na edição de 1610. O estudo da superfície da Lua demonstra o génio observador e a sua capacidade de transmissão literária e visual.
Absoluta novidade astronómica era a existência de planetas menores, os satélites de Júpiter. Galileu considerou essa descoberta uma graça especial de Deus.
Em excelente tradução muito anotada e informadíssimo texto introdutório, Henrique Leitão revela o seu domínio da história da ciência e oferece aos leitores uma perspectiva simultaneamente acessível e rigorosa do enquadramento desta obra fantástica, autêntico relatório científico, escrita nos últimos 15 dias de Janeiro de 1610. Sujeita a sucessivas correcções, seria publicada a 13 de Março e com 550 exemplares esgotados em poucos dias. Até teve uma edição pirata em Frankfurt logo em 1610, tal era a procura!
Depressa os jesuítas romanos confirmaram estas notícias sensacionais e Galileu realizava uma viagem entusiasta à Accademia dei Lincei, em plena Roma. Foi através dos jesuítas que Galileu chegou a Portugal, à Índia e à China. Logo em 1615, o ‘anúncio sideral’ era objecto do curso de Giovanni Paolo Lembo, no Colégio de Santo Antão, em Lisboa. Os problemas cosmológicos que as novidades galileanas lançavam eram aí discutidos.
A edição da Fundação Gulbenkian esclarece cabalmente o lugar ímpar que certos escritos assumem na história. No meio de uma semana pesada de inquietações, será estimulante reconhecer, nos degraus do avanço científico, os rasgos de inovação provenientes de observadores corajosos, como Galileu.
D. Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa
Fonte: Correio da Manhã
Sem comentários:
Enviar um comentário