sábado, 2 de janeiro de 2010

Jesus é de esquerda ou de direita?

A revista “Visão” colocou a questão a vários católicos na penúltima edição (n.º 877; 24 a 30 de Dezembro de 2009). Quando reparei na revista, que obviamente me atraiu pela capa, já que não sou leitor habitual da publicação, estava prestes chegar outra edição às bancas. E qual é a resposta à pergunta? Todos os que responderam fizeram-no como católicos e disseram mais ou menos o seguinte, em resumo.

Jaime Nogueira Pinto, de direita, recusa-se a enfeudar Jesus Cristo a uma área ideológica.

José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, diz que de direita não podia ser, porque se pôs ao lado da transformação.

Joaquim Carreira das Neves, franciscano, teólogo, diz que “se vivesse hoje, Jesus era de esquerda, porque andava com os desclassificados e com os marginalizados”.

João César das Neves, economista, de direita, recusa-se a encaixar ideologicamente a doutrina cristã.

Maria José Nogueira Pinto, de direita, só diz que a discussão sobre o casamento dos homossexuais nada tem a ver com o casamento religioso e com os ensinamentos de Jesus.

Maria do Rosário Carneiro, deputada independente pelo PS, diz que a luta de Jesus pela igualdade põe-no do lado da esquerda.

Ana Vicente, escritora, diz que Jesus estaria à esquerda, por ser pelos excluídos e pela posição sobre o dinheiro nas parábolas.


Conclusão, dos sete interpelados, quatro dizem que era (ou seria hoje) de esquerda, dois dizem que é incatalogável e um não diz nada. Pelo que dá mais ou menos isto: Jesus era de esquerda ou direita? Esquerda – 4; Direita – 0. Abstenções 3. O resultado é curioso a vários títulos. Primeiro, vitória esmagadora da esquerda. Segundo, os de esquerda não têm dúvidas em dizer que era de esquerda (ressalva para o facto de eu não saber qual é a tendência ideológica do P.e Carreira das Neves). Os da direita política (Jaime e Maria José Nogueira Pinto e João César das Neves) não querem conotar Jesus com qualquer área política.

Parece-me, aliás, que este não eufeudamento ideológico de Jesus é a opção mais correcta. Ou seja, a direita, quanto a mim, compreende melhor Jesus. Porque, se na realidade Jesus tem um discurso contra os ricos, é mais contra a riqueza que oprime o pobre – o que não é bem a mesma coisa que dizer simplesmente que “era contra os ricos”. Nicodemos, um amigo, era rico. Zaqueu, feito amigo, era rico e passou a ser generoso. E a parábola dos talentos parece capitalista. Mas não se tome a parte pelo todo.

Diz Manuel Pureza que Jesus não podia condenar a mulher que abortava. E penso que tem razão. Mas não me parece que Jesus não tivesse respeito pela vida intra-uterina. Foi dos aspectos que distinguiram os cristãos, logo nos primeiros séculos, em relação aos pagãos. E Jesus disse também que nem sequer um yod (a mais pequena letra hebraica) mudava à Lei – o que faria dele um conservador, a julgar pelos critérios da “Visão”, ele que também dizia que “no princípio não era assim”, falando do divórcio que a Lei de Moisés aceitava (e que o cristianismo nascente também aceitou durante séculos).

Há quatro evangelhos e todos eles são ideologicamente diferentes. Teologicamente diferentes. Talvez o Jesus dos sinópticos seja em geral mais de esquerda, para o de João ser mais de direita – pelos critérios da revista. O primeiro parte de baixo para chegar ao alto. Tem uma cristologia ascendente. O segundo vem do alto para chegar à humanidade. “No princípio era o Verbo”, escreve João.

Jesus não nos chega por um livro, mas por quatro, o que logo à partida impossibilita arrumá-lo numa única categoria. Esta pluralidade à nascença é um grande trunfo do cristianismo. Mas mesmo que Jesus fosse marcadamente de alguma dessas correntes ideológicas, não nos evitaria a pergunta: o que devo ser eu, hoje, aqui, para melhor encarnar o espírito evangélico? E, mais uma vez, não haveria uma resposta unívoca.

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