O Bispo Carlos Azevedo prefere um padre meio atrapalhado com a espiritualidade do sacerdócio ao que é mero executor da lição aprendida.
A imagem do padre
Por estes dias, várias dioceses portuguesas reúnem os padres para encontros de reflexão, com particular incidência neste "ano sacerdotal". A concepção de sacerdócio ou identidade sacerdotal reconfigura-se perante o sacerdócio comum na figura do leigo. Pelas mudanças sociais operadas o padre pode sentir-se marginado da sociedade, sem papel na construção do mundo. Realmente, o padre tem uma imagem intimamente ligada à Igreja e à evolução do mundo. A imagem é impossível sem esta dupla e condicionante relação. O tipo de padre está determinado pela pertença à Igreja e ao mundo, pelas formas concretas graças às quais funciona e se compreende a Igreja e pela situação sociocultural do mundo. Portanto, imagem em mudança e também imagem plural, na coexistência histórica necessária de imagens sacerdotais, de espiritualidades e formas várias de realizar a vocação.
Não podemos continuar como se nada tivesse acontecido. A crise não se afronta com lamento ou passivismo, encomendando ao tempo o que requer consciência lúcida e vontade decidida. Partiram-se, quebraram--se os modelos presbiterais do passado. Não podemos crer que se possa voltar a posições e perspectivas do passado, ainda que renovada a fachada e realizadas acomodações de emergência. Não, definitivamente. O amanhã não será continuação pacífica do ontem. Não há soluções evidentes e mágicas, apesar da tentação de declarar definitivas as hipóteses que respondem às interrogações postas pela consciência do padre de hoje.
Importa perceber com sagacidade e sensibilidade o decurso da história, em conexão com o dinamismo da Igreja que nasce da sua autocompreensão para dentro e da sua projecção para fora. Seria erro impor uma espiritualidade de modelo único, sinal de pobreza, prova de impermeabilidade ao mistério e ao dinamismo histórico e desrespeito pela criatividade de cada pessoa. A pluralidade não vem da pressão da moda, mas de fidelidade esclarecida devido à cultura em que se situa, evolução social e religiosa que o rodeia. Urge a vida. A imagem sairá de dentro da alma do padre posto a trabalhar e brotará como dom de Deus. É a atitude pastoral que produz estilos.
Prefiro um padre meio atrapalhado com a dificuldade de fazer cristalizar os dados sólidos que a teologia oferece sobre a sua vocação do que a figura de quem executa a lição aprendida. Os melhores mestres – os místicos – foram sempre parcos em assimilar caminhos e pródigos em despertar atitudes pessoais.
Fonte: Correio da Manhã
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