Fé, luz, noite, poesia e, de caminho, uma explicação para a origem deste blogue, tudo neste excerto da entrevista que Carlos Vaz Marques fez a Tolentino Mendonça para a “Ler” n.º 86 (Dezembro de 2009).
Tolentino Mendonça - O silêncio é um caminho. Não basta, por exemplo, estarmos calados para estar em silêncio. Podemos estar calados e o rumor ser ensurdecedor. Há uma qualidade de silêncio que é uma conquista, que é um processo em que nós entramos.
Carlos Vaz Marques – Talvez esta insistência na noite e no silêncio sirva para explicar uma frase sua na qual dizia que “a fé é um salto no escuro”.
TM - A fé tem a ver com a noite.
CVM – A fé não é diurna, não é luminosa?
TM – Não. A fé é claramente nocturna.
CVM – Mas uma das construções imagéticas mais presentes ao falar da fé é a ideia de “ver a luz”.
TM – Mas a luz só se vê à noite, como as estrelas. As estrelas brilham no céu nocturno. A luz da fé brilha na noite. A fé é um lugar sem certezas. A fé é um lugar de abertura. A fé é uma forma de hospitalidade radical. Para mim, as grandes imagens bíblicas da fé são as da luta de Jacob com o anjo (quando ele, no amanhecer ainda escuro, ao atravessar um riacho, luta com o próprio Deus sem saber que está a lutar com Deus; mas essa imagem do combate nocturno, agónico, um bocado imperceptível mas que nos fere e deixa depois no nosso corpo a ferida, é a imagem mais prodigiosa do que é a fé no Antigo Testamento) e a do percurso que as mulheres fazem de manhãzinha, com o dia ainda muito escuro, a caminho de um sepulcro que encontram vazio. A fé tem necessariamente esse lado nocturno de indagação e de expectativa. A fé é uma expectativa. E é nesse sentido a imagem do salto no escuro.
CVM – A sua poesia é um acto de fé?
TM - A minha poesia é o mapa da minha procura. É o testemunho de que eu busquei. Nem sempre diz o que busco mas diz sempre que eu busquei.
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