segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Os cristãos também são judeus

Janela de uma shul de New Jersey


Ainda sobre a busca e o diálogo incessante (a citação é longa porque a conversação não tem fim):

“«Sem ensinamento, a comunidade judaica seria uma impossibilidade», afirma Below. O Judaísmo é inflexivelmente pedagógico. A situação de ensino é inerente ao monoteísmo judaico. O diálogo incessante entre Deus e os judeus apresenta, desde Abraão, as marcas de uma relação magisterial com um povo de povo de natureza devota, rebelde, obediente, recalcitrante mas sobretudo inquiridora. A Tora, concedida por intermédio de Moisés, os Salmos, inspirados em David, os livros de profecias e de provérbios constituem um programa de estudo, um manual para a instrução e uso diários. O judeu está permanentemente a ser examinado, num sentido diferente do axioma socrático da «vida examinada». A sua formação dura a vida inteira. A variedade de diálogo é uma característica única desta relação didáctica, que vai desde a adoração e submissão extáticas à ironia mais amarga e ao protesto moral, como no caso de Job. Integra a resposta do celebrante, que ecoa a voz de Deus na liturgia, mas também a divergência ou mesmo a acusação (como no desesperado «anti-Salmo» de Paul Celan). Num sentido mais concreto, a sobrevivência do Judaísmo tem dependido desta troca milenar de conhecimentos na sala de aula ou na sinagoga, na escola talmúdica e na frequentemente misteriosa tutoria «binominal» dentro da consciência individual e privada. Como diz a anedota judaica: «Não fales comigo enquanto estou a interromper-te». O Deus de Israel é o reitor de uma shul, que é o mundo.

É a persistência deste discurso didáctico que preserva a identidade judaica, mesmo quando as condições nacionais e materiais da existência deste povo são praticamente eliminadas. Após a destruição do Templo e o triunfo romano, Akiba e os seus discípulos mantiveram o estudo e o comentário da Tora ardentemente vivos. A linhagem ininterrupta de explicadores talmúdicos, de professores e de exegetas nasce, floresce no meio do exílio e da perseguição. Houve aulas rabínicas nos campos de concentração. Algumas autoridades rabínicas colocam mesmo o mandamento que recomenda o estudo diário da Tora acima do mandamento de amar e honrar a Deus, uma vez que o estudo da Tora consiste justamente na expressão desse amor. Daí o prestígio único do professor na tradição e comunidade judaicas. Daí também a intuição recorrente, que Wittgenstein considerava tristemente persuasiva, segundo a qual o génio dos judeus é o do estudo e o da exposição, mais do que o da criação original. O que podemos acrescentar ao que Deus criou? A pátria judaica é texto, comprometido com a memória, examinado minuciosamente e objecto de intermináveis comentários (cf. a «análise interminável» de Freud) em qualquer parte do mundo. A mitologia judaica consiste, por excelência, na prolífica crónica das histórias dos Mestres e dos episódios explicativos que acompanham os seus ensinamentos”.

George Steiner, “As Lições dos Mestres” (Gradiva), pág. 124-125.

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