segunda-feira, 28 de setembro de 2009

João Paulo I escreve a Mark Twain

João Paulo I (Albino Luciani), quando era bispo de Veneza, escrevia cartas cheias de humor a grandes autores, posteriormente recolhidas no livro “Ilustríssimos senhores” ("Ilustrissimi").
Esta foi dirigida ao criador do Tom Sawyer.

“Caro Mark Twain:
Vós fostes um dos autores favoritos da minha adolescência. Recordo ainda as engraçadas “aventuras de Tom Sawyer”, que são aliás as vossas próprias aventuras de criança, caro Twain. Tenho contado centenas de vezes algumas das vossas respostas prontas, por exemplo aquela sobre o valor dos livros. Os livros - respondestes um dia a uma jovem - tem um valor inestimável, mas diversificado. Um livro encadernado em coiro é muito útil para afiar uma lâmina, um livro delgado conciso como sabem escrever os franceses, está mesmo bem para calçar a perna de uma mesa, um livro grosso como um dicionário é um excelente projéctil para atirar aos gatos e, finalmente, os atlas com as suas páginas grandes fornecem o papel mais adaptado para consertar as paredes.
Os meus alunos ficavam fora de si, quando eu lhes anunciava: aqui vai outra de Mark Twain.
Receio que, em compensação, os meus diocesanos se vão escandalizar: um bispo que cita Mark Twain! Talvez seja necessário explicar-lhes então que, como há muitas qualidades de livros, também há muitas qualidades de bispos. Alguns, de facto, assemelham-se a águias que voam com documentos magistrais de alto nível; outros são rouxinóis que cantam os louvores do Senhor de maneira maravilhosa; outros, enfim, são pobres carriças que, sobre o último ramo de árvore eclesial, se contentam em pipilar, tentando exprimir alguns pensamentos sobre temas tão vastos. Quanto a mim, caro Twain, pertenço a esta última categoria. Portanto, armo-me de coragem e lembro-me que um dia tu observaste: o homem é mais complexo do que parece; completamente adulto encerra em si não um só mas três homens diferentes. Como assim? - perguntaram-te. Tu respondeste. Suponde um João qualquer. Nele, há João primeiro, quer dizer, o homem que ele crê ser; depois, há João segundo, o homem que vêem os outros; e, enfim, João terceiro, o homem que existe na realidade.
Que grande verdade, caro Twain, neste dito espirituoso!...»

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