Quinze meses depois do encerramento do II Concílio do Vaticano, Paulo VI publica a sua primeira encíclica social, sobre um tema que na altura foi considerado inesperado: o desenvolvimento dos povos.
O mundo vivia uma fase de optimismo económico. No Ocidente, as taxas de crescimento, no pós-guerra, são elevadas. Surge a “sociedade da abundância”, de alguma forma simbolizada pela abertura do primeiro hipermercado. Abre em França, em 1963, com 2500 metros quadrados onde se pode comprar quase de tudo. Em África, com as independências políticas, pensa-se que chega uma era de desenvolvimento.
O documento de Paulo VI, ainda que tenha um fundo de optimismo – o sonho do desenvolvimento para todos –, está marcado pelo duro reconhecimento de que no mundo predomina o subdesenvolvimento. “Os povos da fome dirigem-se hoje, de modo dramático, aos povos da opulência”, escreve logo no n.º 3.
O documento começa, no entanto, com uma frase que além de lembrar a célebre primeira frase da Gaudium et Spes (“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos nossos contemporâneos… são também as dos discípulos de Cristo”) revela o tal tom positivo e a nova forma de a Igreja se relacionar com o mundo: “O desenvolvimento dos povos, especialmente daqueles que se esforçam por afastar a fome, a miséria, as doenças endémicas, a ignorância; que procuram uma participação mais ampla nos frutos da civilização, uma valorização mais activa das suas qualidades humanas; que se orientam com decisão para o seu pleno desenvolvimento, é seguido com atenção pela Igreja”.
À preocupação de Paulo VI com o desenvolvimento dos povos não terão sido alheias as grandes viagens que realizou à América Latina e a África, ainda cardeal, e a à Índia, já como Papa. Não há nada como ir aos locais onde se sofre para se perceber o que é a pobreza. Julgo que nenhum Papa antes de Paulo VI visitou outros continentes.
O tema da encíclica de algum modo foi inesperado, mas já em duas ocasiões fundamentais Paulo VI o abordara. Na visita à assembleia-geral da ONU, em 1965, em Nova Iorque, afirma: “Nós sabemos com quanto ardor vós vos dedicais a diminuir o analfabetismo e a espalhar a cultura no mundo. A dar aos homens uma assistência sanitária apropriada e moderna. A colocar ao serviço do homem os maravilhosos recursos da ciência, da técnica, da organização: tudo isso é magnífico e merece o elogio e o apoio de todos, incluindo o Nosso. Nós queríamos também dar o exemplo, mesmo se a pequenez dos Nossos meios impede de lhes apreciar o alcance prático e quantitativo: Nós queremos dar às Nossas instituições um novo desenvolvimento contra a fome do mundo e a favor das suas principais necessidades: é assim, e não de outro modo, que se constrói a paz”. Na encíclica afirmará, num título que ficará célebre: “O desenvolvimento é o novo nome da paz” (PP, 78). Entretanto, na visita á Índia (1964), tinha proposto a criação de um Fundo Mundial, “sustentado por uma parte da verba das despesas militares” – ideia que retoma no n.º 51 da PP.