sexta-feira, 17 de julho de 2009

DSI 17 - Da RN à CV: A "Pacem in Terris"

A encíclica dos direitos humanos

Há quem divida os Papas entre “os que têm boa imprensa” e “os que têm má imprensa”. João XXIII tinha boa imprensa. E sabia disso. E além de boa, quando lançou a “Pacem in Terris” (PT), tinha muita. O Concílio atraíra jornalistas do mundo inteiro a Roma, pelo que a última encíclica do “Papa bom”, que morreria passados menos de dois meses, obteve um eco superior a qualquer documento anterior. É o documento papal mais popular – dizem.

Para o grande eco da PT (primeira frase: “A paz na Terra, profunda aspiração de todos os tempos, não se pode estabelecer se não se respeitar integralmente a ordem estabelecida por Deus”) contribuíram ainda dois factores. No mundo pairava o terror da guerra nuclear por causa da “crise dos mísseis de Cuba”. O próprio João XXIII telefonara a Kennedy (não se sabe se a Kruschev também) para tentar resolver o drama. E a encíclica aparece dirigida não só aos patriarcas, bispos, clero e fiéis, como era costume, mas também “a todas as pessoas de boa vontade”.

Uns dias antes de morrer, João XXIII afirma: “Que ressonância a desta «Pacem in Terris»! Nesse documento pus de mim mesmo, sobretudo, o humilde exemplo de tentei dar durante toda a minha pobre vida: ser um bom homem pacífico”.

Ainda que não tão inovadora como a “Mater et Magistra”, a PT representou uma revolução no modo de olhar para os problemas do mundo.

Primeiro, João XXIII dá cidadania eclesial aos direitos humanos. Hoje este aspecto parecerá estranho ao comum dos cristãos, porque a Igreja é a maior defensora dos direitos humanos, mas a verdade é que desde o séc. XVIII ecoava nos corredores eclesiásticos que “só Deus é que tem direitos”. Com a PT, a dignidade humana passa a (dever) estar no centro de toda a política e economia.

Segundo, o Papa olha para o mundo com a categoria evangélica dos “sinais dos tempos”. Vê sinais positivos como o avanço das classes trabalhadoras, a participação da mulher na sociedade, a independência dos povos, ou “convicção de que todos, pela dignidade da sua natureza, são iguais entre si”. Este modo de ver passa a ser o registo da Igreja (em vez da condenação e da fuga do mundo) (PT 39ss).

Terceiro, o Papa incentiva a colaboração entre católicos e não católicos (PT 157ss), onde se incluem as outras confissões cristãs e principalmente os comunismos ateus. “Quem poderá negar a possibilidade de esses empreendimentos [baseados em falsas teorias sobre a natureza e a humanidade] (…) conterem elementos bons e merecedores de aprovação”? Era todo um mundo novo de diálogo que se abria à Igreja.

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No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...