quarta-feira, 24 de junho de 2009

Paulo e Lenine, segundo Zizek


O Ano Paulino está a acabar. Para muitos cristãos, nem terá começado. Na realidade, há que dizer, vive-se bem sem Paulo. O evangelho de Paulo é o da morte e ressurreição de Cristo. Os cristãos olham também, olham mais, ou olham quase exclusivamente para os outros Evangelhos, que, logo à partida, têm duas grandes versões, a de João e a de Marcos, Lucas e Mateus. Temos, pois, pelo menos, três acessos escritos a Jesus: Paulo, que fica pela morte e ressurreição; João, que parte do Verbo chegar à humanidade; e os Sinópticos, que partem da humanidade para chegar ao Salvador.
Pode-se ficar pelo Jesus dos Evangelhos sem chegar ao Cristo de Paulo. Talvez seja esta a situação da maioria dos católicos. Perde-se muito? O que se perde mesmo? Ganha-se? Como seria um cristianismo sem Paulo?
O Ano Paulino está a acabar. O Papa encerra-o na tarde de 28 de Junho.
Um pouco atento à realidade eclesial, vi algumas iniciativas sobre Paulo, mas não vi reflexões ponderadas sobre o significado de Paulo. Sobre as consequências, sim. Falou-se da fé em Cristo contra as obras da Lei; da paixão evangelizadora; da fundação de comunidades; do Cristo ou morte (“para mim, viver é Cristo”); das viagens; da seita que o cristianismo seria sem Paulo…
Mas não houve explicações sobre o ser e significado de Paulo. Por que é que Paulo não fala do que viria a seguir a ficar gravado nos Evangelhos? (Os Evangelhos ainda não estavam escritos no tempo de Paulo, mas a memória e o testemunho deviam existir) Porque não interpreta as parábolas de Jesus? Porque não fala de Maria? (Diz que Jesus Cristo é nascido de mulher… mas o que diz isto sobre Maria?) Qual o significado dessas ausências?
Slavoj Zizek (na foto) afirma: “O que lhe interessa não é Jesus como figura histórica, mas apenas a sua morte na cruz e a sua ressurreição de entre os mortos; uma vez estabelecida a morte e a ressurreição de Jesus, dedica-se à sua verdadeira tarefa, uma autêntico empreendimento leninista: a organização de um novo partido chamado comunidade cristã… São Paulo como leninista: não foi ele caluniado pelos partidários do cristianismo-marxismo das origens? A temporalidade Paulina – a do «já, mas não ainda» - não corresponderá também à situação de Lenine entre a revolução de Fevereiro e a de Outubro de 1917? A revolução já ficou para trás, o antigo regime morreu, a liberdade foi conquistada, mas o verdadeiro trabalho ainda está por fazer”.
Para o provocador filósofo materialista dialéctico esloveno (mas não desevangelizador militante como Michel Onfray), o que permitiu a Paulo “formular os princípios fundamentais do cristianismo, fazer passar o cristianismo de uma seita judia para a religião universal (a religião da universalidade), foi precisamente o facto de não ter feito parte do círculo estreito dos íntimos de Cristo”.
O seguinte excerto de “A Marioneta e o Anão” (Ed. Relógio D’Água), descontado a piada, é revelador sobre o significado de Paulo. Um católico não deixará de ver no modo com as coisas aconteceram a acção do Espírito Santo. Claro que tem de acreditar que é Ele o guia da Igreja. Um ateu poderá dar uma explicação circunstancial e inteligente do como. Um crente pergunta pelo porquê e encontra a coerência do desenrolar dos acontecimentos. A economia da salvação.
Escreve Zizek (pág. 15): “Podemos imaginar o círculo íntimo dos apóstolos recordando as suas conversas durante a ceia: «Lembras-te que, na Última Ceia, Jesus me pediu que lhe passasse o sal?» Para Paulo, isso é impossível: ele está de fora e, como tal, substitui simbolicamente (ocupa o lugar de) o próprio Judas, entre os apóstolos. De certo modo, Paulo também traiu Cristo, não se preocupando com as suas particularidades, reduzindo-os brutalmente ao essencial, sem mostrar a menor ternura pela sua sabedoria, pelos seus milagres e outros afins”.

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No início de novembro este meu texto foi publicado na Ecclesia. Do meu ponto de vista, esta é a questão mais importante que a Igreja tem de ...