sábado, 9 de março de 2013

Anselmo Borges: Desafios para a Igreja com o novo Papa


Texto de Anselmo Borges no DN de hoje.

Olivier Bobineau

A Igreja Católica leva consigo um imenso paradoxo. O sociólogo Olivier Bobineau descreveu bem a situação. "A Igreja católica é uma junção paradoxal de dois elementos opostos por natureza: uma convicção - o descentramento segundo o amor - e um chefe supremo dirigindo uma instituição hierárquica e centralizada segundo um direito unificador, o direito canónico. De um lado, a crença no invisível Deus-Amor; do outro, um aparelho político e jurídico à procura de visibilidade. O Deus do descentramento dos corações que caminha ao lado de uma máquina dogmática centralizadora. O discurso que enaltece uma alteridade gratuita coexiste com o controlo social das almas da civilização paroquial - de que a confissão é o arquétipo - colocado sob a autoridade do Papa. Numa palavra, a antropologia católica tenta associar os extremos: a graça abundante e o cálculo estratégico. Isso dá lugar tanto a São Francisco de Assis como a Torquemada."

Esta junção paradoxal é superável? Os desafios para a Igreja com o novo Papa são muitos. Ficam aí alguns, sem cuidar muito da sua ordem.

1. Desafio essencial é a conversão de todos os seus membros ao Evangelho, começando pelos que estão mais alto: papa, bispos, cardeais, padres. Acreditar em Jesus e tentar segui-lo. E anunciar a fé viva de sempre na linguagem do nosso tempo, articulando-a com a razão. E, contra um cristianismo reduzido a proibições, apresentá-lo como mensagem positiva e realização felicitante de sentido.

2. Outro, decisivo para o futuro: a reforma da Cúria Romana e do governo da Igreja em geral (há quem se pergunte: mas a Cúria será reformável?). Tem de haver mais simplicidade (acabar com aqueles títulos todos: Eminência, Excelência, Monsenhor...) e transparência e democraticidade. Pergunta-se, por exemplo, se o actual modelo de eleição papal não sofre de endogamia, já que o Papa escolhe aqueles que elegerão o sucessor. Não se impõe um processo mais participativo e universal? Quanto às dioceses, alguém já sugeriu, em vez de dioceses gigantes, um bispo para um número mais reduzido de fiéis, que deveriam participar na sua eleição.

3. É intolerável que possa haver sequer suspeitas de que pelo Banco do Vaticano passa lavagem de dinheiro. Exige-se, pois, uma gestão eficaz e transparente. Jesus foi contundente: "Não podeis servir a Deus e a Mamôn" (o Dinheiro divinizado).

4. Tem de continuar a mão inflexível da tolerância zero no que se refere à pedofilia.

5. É uma pergunta enorme, a de um biblista belga, que me disse um dia em Bruxelas: como é que o movimento iniciado por Jesus desembocou numa instituição com um Papa chefe de Estado?

Evidentemente, onde há homens e mulheres - e os católicos são 1200 milhões - tem de haver um mínimo de instituição. O que ela não pode é ter o primado, pois este pertence às pessoas e aos seus problemas. O Papa é uma figura de influência mundial e, uma vez que, por razões que a História explica, a Santa Sé e o Vaticano existem, exige-se que estejam, através das suas redes diplomáticas, ao serviço da paz, dos direitos humanos e do diálogo entre as nações.

6. Sem se negar, a Igreja tem de modernizar-se e, sendo verdadeiramente global, tem de estar aberta ao pluralismo. Esta abertura implicará também o acesso da mulher aos ministérios ordenados, o fim da lei do celibato, a reconciliação com a sexualidade e a revisão de questões como a pílula e o preservativo, a possibilidade da ordenação de homens casados, a comunhão para os divorciados recasados.

7. A continuação do diálogo ecuménico intracristão e inter-religioso e intercultural é um desafio irrenunciável, bem como o contributo para o debate nas questões de bioética.

8. A Igreja de Cristo tem de estar ao lado dos problemas dos homens e das mulheres, a começar pelos mais fragilizados. Por isso, espera-se dela pronunciamentos sem tibieza sobre a justiça social, a condenação de doutrinas económicas que endeusam o lucro, o combate pela dignidade de todos, a salvaguarda da paz, dos direitos humanos, a preservação da natureza.

10 comentários:

Bernardo Motta disse...

Eis o nosso outro heresiarca... Há muito que limpar, na Igreja, sem dúvida...

Anónimo disse...

Triste análise. Regressa frei Bento, estás perdoado!

Anónimo disse...

Meus senhores, entre a “heresia” e a “tristeza” que aqui apontam, façam o favor de apontar também aqui alguma inverdade (uma apenas) do que escreveu este Irmão…! Reconheço-lhe o “fio da navalha” ao longo do texto sim, mas a vossa “ira” alicerçada numa ausência argumentativa soa mesmo muito rara por estes lados! Ou é o “vale tudo” quando nos tocam nas feridas…! A mim também me incomodou, mas… e depois… se existe necessidade de nos “purificarmos” porque não escutar com humildade o outro… não é isso também fazer comunhão-comunidade…!

Peter

Anónimo disse...

A Igreja tem de evangelizar os homens de hoje. Bom texto para todos refletirmos. Não resulta enterrar a cabeça na areia e ignorar os tempos. O Jesus dos Evangelhos faz falta nas nossas vidas.

Jorge Pires Ferreira disse...

Bernardo, em vez de chamar heresiarca a Anselmo Borges, atingindo quem lê e concorda com ele e também alguns dos que andam por este blogue (outros andam por cá, mas à cata de erros e heresias ou para mostrar que discordam com má educação) já que o apelida de chefe de seita herética, deveria dizer onde estão os erros no texto em concreto que ontem cá pus.

Se não concorda com ele, presumo que pensará algo como isto:


Não é desafio essencial a conversão de todos os seus membros ao Evangelho, começando pelos que estão mais alto: papa, bispos, cardeais, padres. Não é preciso acreditar em Jesus e tentar segui-lo. Nem anunciar a fé viva de sempre na linguagem do nosso tempo, articulando-a com a razão. Temos é de insistir num cristianismo reduzido a proibições, apresentá-lo como mensagem negativa e realização frustrante de sentido.

A coisa torna-se mais engraçada quando o Bernardo preocupa-se, de facto, e com isso concordo (com a intenção, não totalmente com o modo em concreto como a põe em prática), em mostrar que nada na fé contraria a razão.


Bom domingo a todos!

Iacobus conimbricensis disse...

O espírito herético é, sem dúvida e literalmente, o que preside a esta avaliação do padre Anselmo Borges. A heresia resulta na opção, escolha ou eleição de uma de duas realidades/conceitos que são aparentemente contraditórios! A Igreja une e concilia, o herético separa e gera conflito...

É claro que todos nós temos de nos converter (voltar-se) a Deus, mas isso não quer dizer que desprezemos o Direito e a justiça, que, como diz a Sacra Escritura, «são a base do Seu [de Deus] trono»! A conversão não é feita «à minha maneira». Ela exige um esvaziamento do eu para poder conformar-se a Jesus Cristo.
Parece que aqui se apela ao que na sociedade civil resultaria num anarquismo constitucional. Muito à maneira do que temos nas Igrejas separadas (ditas protestantes), onde o Evangelho funciona como uma magna constituição e a hierarquia e a Tradição quase não têm lugar.
Foi Jesus Cristo, nosso Senhor, que quis que a Igreja também fosse constituída por homens!! Não foi? Então, os homens têm, naturalmente, uma hierarquia. Olhemos para a família, por exemplo - o núcleo base de qualquer sociedade. Também a Igreja sendo uma sociedade não apenas humana, mas também constituída por homens, tem de ser hierárquicamente administrada e regida por um Direito comum, porque comum é também a sua finalidade: a conversão e salvação de todos os homens. Olhemos para a própria organização do grupo dos Apóstolos com Jesus e depois da Ascenção, em que Ele deixa S. Pedro como a cabeça daquele colégio. Olhemos para o próprio Deus-Homem que se humilhou à submissão a uma família humana, a um preceptor humano (que com certeza teve), ao julgamento injusto por um tribunal humano. Então, se Deus, nosso Senhor, nos deu este exemplo em relação a instituições meramente humanas, não devemos nós obedecer e amar a Igreja, que é Seu Corpo Místico - organismo divino, portanto? Há falhas? Pois claro que há falhas! Nós não somos máquinas! Porém, as falhas não estão no Evangelho, nem no Direito, nem no Magistério, nem na Tradição, nem na constituição hierárquica da Igreja... Estão no íntimo de cada um de nós. Muito bem coloca o pe. Anselmo como a primeira mudança a operar-se, nesta lista: conversão pessoal de cada membro deste organismo eclesial.
O Direito Canónico não tem nada que seja contrário ao Evangelho! Ou será que afinal tem e nós ainda não sabemos?!!!
É por nós sermos frágeis como pó da terra e cairmos muitas vezes, que precisamos de hierarquia e de Direito e de Magistério, do Evangelho de Jesus, enfim, de IGREJA.

A tradição apostólica leva-nos, evidentemente, a recusar algumas das mudanças propostas e que nem sequer são relevantes para a salvação das almas, mas apenas fruto dum espírito que pretende a desunião e conflito interno. A Igreja não é de hoje, é de sempre. O que foi motor de conversão ontem, é motor de conversão ainda hoje, porque Deus é o mesmo, «não se muda».

Não é a Igreja que tem de se adaptar ao mundo, é cada um dos homens que tem de se adaptar a este organismo vivo que é o Corpo Místico de Jesus Cristo. Só Ele nos pode mudar. Esta vontade é talvez o maior disparate do texto! Um verdadeiro convertido sabe muito bem o que eu acabei de dizer... Veja-se o testemunho de Santo Agostinho...
O que tem o mundo para nos oferecer de salvação que já não esteja e sempre estivesse na Igreja?


Esta mensagem do pe. Anselmo, embora com muitas vontades que não se conformem com a Igreja Católica, é espelho duma profunda vontade de conversão pessoal de cada cristão, «de ti e de mim». De revisão do que cada um, enquanto membro deste Corpo, tem feito.

Mas quando as aspirações pessoais começam a ser tão diferentes das aspirações comuns a todo o organismo... Transformar a Igreja numa congregação protestante? Igrejas como esta que o pe. Anselmo aqui deseja, já as temos, quem quiser, pode ir para lá! Ninguém é obrigado a aceitar a Igreja, nem a fazer-se católico... O homem foi criado livre por Deus. A uma religião (confissão religiosa) adere-se de livre vontade...

Anónimo disse...

Caro Iacobus conimbricensis … permita-me algumas reflexões sobre o que aqui escreveu! Deixo em negrito para sublinhar o que é seu:

“A Igreja une e concilia, o herético separa e gera conflito...”

“Não penseis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer a paz, mas a espada. Porque vim separar o filho do seu pai, a filha da sua mãe e a nora da sua sogra..” Mt 10,34-35.... Bom, que me perdoe, mas já vi chamarem de tudo a Cristo…!

“A conversão não é feita «à minha maneira». Ela exige um esvaziamento do eu para poder conformar-se a Jesus Cristo.”

Mas afinal onde ficamos, conformamo-nos a Cristo e ao seu Evangelho genuíno ou à tradição ou algum tipo de constituição..!?! Esse esvaziamento é realmente gritante nos corredores do Vaticano para não ir mais distante…!

“Também a Igreja sendo uma sociedade não apenas humana, mas também constituída por homens, tem de ser hierárquicamente administrada e regida por um Direito comum, porque comum é também a sua finalidade: a conversão e salvação de todos os homens.”

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus.” Efésios 2,8… “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim. “ João 14,6.... Meu caro, onde ficamos! Afinal quem é que nos salva? É o direito e a hierarquia ou Jesus Cristo?!

“Há falhas? Pois claro que há falhas! Nós não somos máquinas! Porém, as falhas não estão no Evangelho, nem no Direito, nem no Magistério, nem na Tradição, nem na constituição hierárquica da Igreja... Estão no íntimo de cada um de nós. Muito bem coloca o pe. Anselmo como a primeira mudança a operar-se, nesta lista: conversão pessoal de cada membro deste organismo eclesial.”

Haja Deus… alguma coisa boa disse o Padre Anselmo! Sabe, esse é que é um dos verdadeiros problemas meu caro, a nossa humanidade tão falível…, mas alguns teimam nas infalibilidades a toda a prova, e depois, se alguém aponta as falhas que o caro até “reconhece”… “Aqui d'El Rei”… é logo taxado de herético…

“O Direito Canónico não tem nada que seja contrário ao Evangelho! Ou será que afinal tem e nós ainda não sabemos?!!!”

Pelos “interrogantes”, dá para entender que já o leu e estudou…! Olhe, seria bom voltar a lê-lo… mas por favor, se conseguir, com isenção total e sem qualquer preconceito…! Se calhar estou a pedir demasiado!

“A tradição apostólica leva-nos, evidentemente, a recusar algumas das mudanças propostas e que nem sequer são relevantes para a salvação das almas…”

Pois, o outro também deixou primeiro arder a casa para ficar convencido que era preciso mesmo ir buscar ajuda e água para apagar o fogo…!

“Não é a Igreja que tem de se adaptar ao mundo, é cada um dos homens que tem de se adaptar a este organismo vivo que é o Corpo Místico de Jesus Cristo. Só Ele nos pode mudar.

O caro está aqui a falar de que “Igreja”…?!!! A que é Corpo de Cristo feita de homens e mulheres ou a instituição…?! È que pelo que vou experimentando na vida, é Cristo que me salva… e é a Ele que eu tenho que me conformar e aos seus caminhos…!

“Ninguém é obrigado a aceitar a Igreja, nem a fazer-se católico... O homem foi criado livre por Deus. A uma religião (confissão religiosa) adere-se de livre vontade...”

Sim realmente “foi para a liberdade que Cristo nos libertou…”Gál 5.1… Sabe, quando me converti (é um processo que nunca acaba em mim) tenho plena consciência que aderi e sigo a Deus e não a um “edifício dogmático e religioso)… e creio que é aquilo que todo aquele que O ama faz… e meu caro, no Evangelho não vejo Cristo preocupado em FUNDAR… vejo-o sim é a ANUNCIAR e depois a fazer-se ao Caminho nesse espírito hebraico… dessa Igreja (andarilha), aquela que carrega a leveza do ES que sopra onde quer, como quer e em quem quer… aquela que não tem muros-telhados nem geografias…

...e por fim, o que Ele pede aos Discípulos é apenas para ANUNCIAR o Evangelho… nunca o vejo a exigir ou sequer a pedir que eles fundem algo…!


Peter disse...

Não me identifiquei, o comentário anterior é meu...desculpem...!

Anónimo disse...

Ó Tiago de Coimbra,

você é uma no cravo outra na ferradura. Mas mais na ferradura.

Não quer dizer o contrário de Anselmo Borges (por ficaria mal), mas também não quer concordar (porque não vai com o seu grupo ou até seita - é que se fosse católico, abria-se ao universal, ao todo).

As suas ideias, aqui em Coimbra, metem-se no jacó.

RB

Anónimo disse...

… hahahah ….“ é que se fosse católico, abria-se ao universal, ao todo”…. mas calma aí, se são “as suas ideias” , (não as minhas como bom católico que sou)… então “metem-se no jacó”… hiiii esses lados por Coimbra andam muito agitados pelos ventos que se agitam nas cruzadas anti-Anselmo Borges…. Ó meu caro RB - 2:45 PM, seja lá mais compassivo com o seu conterrâneo… discordar é uma coisa… atirá-la ao “jacó” é que não se faz… um acto muito pouco católico por sinal, se de facto ele é assim tão “aberto ao universal, ao todo” como referiu…!

Peter

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